Jornal Estado de Minas

EM DIA COM A PSICANÁLISE

Consequências para a saúde mental dos afetados por rompimentos de barragens

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Fui inspirada a escrever sobre as pessoas que viveram em suas vidas uma tragédia como a do rompimento das barragens da Vale. Uma colega, por engano, me enviou artigo sobre as consequências para a saúde mental da população afetada. Não existe possibilidade de não ser assim, diante de tamanha dimensão do ocorrido. Perder não apenas bens materiais, ficando desalojado, e também vizinhos, amigos, filhos, irmãos, pais, parentes, restando apenas um corpo que permanece vivo e precisa continuar, não é pouca coisa.

Da primeira, Barragem do Fundão, em 2015, vimos o antigo povoado de Bento Rodrigues inundado pela lama. Até hoje, as famílias retiradas de lá estão às voltas com dificuldades, temendo não receber da Fundação Renova as casas para o reassentamento no Novo Bento, como foi prometido, mas adiado várias vezes, e agora está previsto para dezembro de 2020.

Da segunda, arrebenta a barragem 1, no Córrego do Feijão, em Brumadinho, sem que as sirenes soassem. Pegos de surpresa, muitos não escaparam de ser soterrados pela lama e nem todos os corpos foram encontrados. Vimos pedaços de corpos saírem da lama pelas mãos dos bombeiros, nossos heróis verdadeiros.

Até poucos dias atrás, ainda encontraram um corpo que estava desaparecido. E ainda outros jazem sob a placa de lama poluída pelo lixo da mineração.
Não podemos esquecer. Adiada para 2025 a eliminação de todas as barragens de alteamento, ainda não foram ressarcidas do prejuízo material as famílias nem poderão ser porque as perdas humanas são irreparáveis, não há dinheiro que acerte esta conta.

É indigno deixar estas pessoas esperando suas indenizações. Elas não são mendigas à espera de caridade. São cidadãos que merecem respeito e um Estado que se posicione definitiva e rapidamente em seu favor. É cruel e obscena a demora dos responsáveis em assumir a reparação das consequências deste crime ambiental e humano.

Interessa falar disto porque, como disse o psicanalista francês Jacques Lacan, a psicanálise é política. E ela, como ética que também é, deve lidar com todo tipo de sofrimento que atinge o homem.

Pouco mais de sete meses do desastre, a Secretaria Municipal de Saúde informa sobre as consequências afetivas da população e indica o aumento de suicídios e tentativas de suicídios no município, principalmente entre mulheres, que têm seu sofrimento agravado, como demonstra o aumento no consumo de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos.

E não poderíamos esperar outra coisa. Uma população inteira em processo de luto.
Luto é um trabalho interno, intenso e progressivo. É o esvaziamento do espaço que a coisa perdida ocupou no espaço subjetivo. A sombra deste objeto (que pode ser pessoa, casa, amigos, vizinhos) paira sobre a pessoa. Uma nuvem de tristeza que permanece cinza e pesada. Ela deve passar com o tempo e o vento à medida em que a lembrança da coisa perdida se encontra com a realidade da perda e constata uma vez, outra vez, mais uma vez, a inegável impossibilidade de recuperá-la.

A repetição desta lembrança e da reafirmação do vazio, o relançamento deste movimento revivido incansavelmente vai progressivamente esvaziando o peso desta presença que ainda ocupa o mesmo espaço interno de antes. A constatação da finitude obriga a aceitar que a vida siga, é inevitável. O real não se dobra à nossa vontade, nós que devemos, das tripas ao coração, nos dobrarmos.

Este luto com o tempo se cura naturalmente, não sem dor. A nuvem pesada é levada e abre-se espaço novamente para outros laços que ocuparão aquele espaço afetivo.
Muitas pessoas têm dificuldade maior e precisam de atenção, escuta e acolhimento. Medicar não é o caso já que nada pode remediar esta dor. Ela não se cala dentro.

No entanto, outras não conseguem completar o luto e realmente precisarão de remédios, pois desenvolverão uma melancolia que não passa. E frequentemente ocorre ao sujeito finalizar a própria vida como último recurso contra a dor.

Estas notícias desalentadoras sobre o sofrimento das vítimas de tamanhas tragédias humana e ecológica exigem atenção. Só nos cabe ser solidários e apostar que o tempo cure esta dor e que as pessoas recuperem suas energias vitais para novos investimentos, novos laços e os levem a reconstrução emocional e material. A vida nos surpreende, acontecimentos inesperados nos derrubam e precisamos renascer das cinzas como a fênix. Será preciso fazer novas apostas. Mesmo que não sejamos os mesmos.
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