Como não tenho mais expectativas a respeito do futuro próximo no Brasil, não fiquei exatamente surpresa com a escolha do novo ministro da Educação pelo presidente. Com a saída estratégica e fuga diplomática de Abraham Weintraub para o exterior, pensei imediatamente no próximo perigo: seu substituto.
Se você leitor me acha pessimista, discordo, sou realista. E os últimos acontecimentos demonstram que tenho os pés no chão. Os recentes ocorridos no Ministério da Saúde em plena pandemia me fizeram concluir que nenhum médico responsável aceitaria participar do negacionismo do presidente diante de um problema de magnitude mundial, e sua indiferença por tantas das mortes... Empatia passa longe daquele ali...
Sinceramente não sei quase nada sobre o reverendo Milton Ribeiro senão o que foi anunciado. Se é tudo verdade, ele formou-se em direito, tem mestrado na área, fez teologia, doutorado em educação e é especialista no Antigo Testamento. Entrou avisando ser defensor da educação com a vara. Bíblico. Porém, a educação moderna discorda do método, tendo encontrado no reforço positivo, na frustração com amor, alternativas igualmente eficientes.
Empossado para a pasta da Educação, enfrentará situações melindrosas, uma vez que a luta do espírito científico contra a visão de mundo religiosa é tão antiga quanto o nascimento da ciência. Entre a ciência e a religião, há um hiato.
A primeira adotou uma postura crítica em relação ao que prega a religião, baseando-se sempre no cognoscível, no intelecto, na pesquisa, no conhecimento empírico, em evidências encontradas, no provado e experimentado, no racional, dispensando revelações, intuições, adivinhações e imaginários em geral.
Apoia-se em fatos comprovados como, por exemplo, as ossadas pré-históricas que apontam para a teoria da evolução darwiniana. Explicação para o universo vem acompanhada da faculdade crítica e apresentação de objeções e rejeições daquilo que biblicamente se apoiaria num ato de fé no criacionismo.
A religião, por sua vez, tem um poder imenso a seu serviço e abriga fortes emoções humanas. Oferece um Pai todo-poderoso e protetor que serve como luva, na medida para o desamparo do homem frente ao futuro, a morte, as intempéries da natureza, enfim, é de grande amparo e acalma os medos do homem das vicissitudes da vida e lhe confere conforto nas desventuras.
Assim sendo, entre ciência e religião, esta última sempre conforta mais do que a primeira, que de fato tem mais questionamentos que soluções e nunca desiste de encontrar indícios, investigar verdades estabelecidas e discordar da fé, que considera imaginária necessidade do homem em sua orfandade fundamental.
A promessa de um Pai todo-poderoso criador dos céus e da Terra, a crença no sobrenatural, na vida após a morte e na vontade de Deus é reconfortante. O mito de Adão e Eva não é uma metáfora, é fato. Apesar das provas em contrário, escolhe a fé.
A visão de mundo que rege um ensino religioso é completamente divergente da ciência. É uma questão da ética implicada em cada campo do saber. A ética que rege cada um desses campos, o científico e o religioso, encontra poucas afinidades. O ponto comum é a busca do homem para compreender sua existência em ambos os casos, sendo que um tem todas as respostas e o outro muitas investigações.
Portanto, será delicada a situação do ministro e reverendo no comando da Educação, principalmente universitária, que tem base fincada na ciência e pesquisa, como sabemos, com tantos cientistas, doutores e mestres.
Torço para que a visão de mundo divergente não sirva para operar cortes nas atividades de pesquisa em andamento e nas que virão, na distribuição de bolsas para extensão, na perda de investimento para toda atividade e desenvolvimento de pesquisa, o que significaria grande retrocesso.
Afinal, esperemos que o futuro próximo nos esclareça. Que o ministro acerte, que incentive o progresso da ciência e o conhecimento. Não seja Deus no coração motivo de retrocesso. Que não lhe falte sabedoria ou sobeje a vaidade, pois, como disse o poeta Haroldo de Campos em sua tradução do Eclesiastes, tudo é névoa-nada.