Jornal Estado de Minas

A pandemia abalou nossas certezas, nos fez encolher a onipotência

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Dois discursos paralelos concorrem entre si durante a pandemia. Não é de agora, vem desde o início. Muda e silenciosa, a COVID-19 devora impassível suas vítimas. Para alguns, uma gripezinha, quase nada; para outros, o fim.





A pandemia continua e ainda devemos ficar em casa enquanto pudermos. A flexibilização, no entanto, com a passagem do isolamento para o distanciamento social, deu-nos a ilusória e tão desejada impressão de perigo acabado e isto não é bem verdade. Só teremos vencido esta batalha com a vacina.

Fica sob a responsabilidade de cada um decidir seus próximos passos e esta decisão não é sem certa angústia. Não existe uma palavra única que possamos seguir. Há um porém: as pessoas preferem obedecer a alguém que tem certezas, um líder forte. Ficariam, assim, isentas da responsabilidade.

Mas lá no fundo sabem que não há verdade única e ficam angustiadas, pois toda escolha tem consequências. Ainda há perigo. Há também negação. Muitos têm voltado ao trabalho, saído para bares, restaurantes, praias do Rio de Janeiro lotadas no feriado, e quem ainda está respeitando o perigo parece ser alarmista. Mas não é bem assim.





É fato que está difícil o tão prolongado período de privações e cortes, nos oprimindo e, por isso, muita gente rompeu com as restrições. Justo aí mora o perigo. Quem tem dificuldades com os limites concretos impostos diante de um real irrespirável, que hoje é nossa realidade, nosso mundo, coloca outros em risco. E além disso, os números de contágio podem subir rompendo a tímida estabilização.

Aqueles que dependem do trabalho para sobreviver – isto é, a grande maioria – certamente correrão riscos inevitáveis. Que sejam mínimos. Estamos diante de um paradoxo: queremos nos proteger e ao mesmo tempo precisamos continuar a vida, ganhar o pão de cada dia. Nos perguntamos, então, o que seria a boa decisão? A segurança e, ao mesmo tempo, as necessidades que falam mais alto que o medo.

É o que faz as pessoas cometerem atos desesperados em casos de grande privação. Cada um em suas próprias preocupações se dá o direito de escolher por si, pensar apenas no seu mundo individual. Mas pensar sem negações, racionalizações e justificativas.





A pandemia abalou nossas certezas, nos fez encolher a onipotência, entender que menos é mais, conter a independência de viver conforme o que queremos, acreditando na liberdade plena. Tivemos, não todos, de aprender a levar em consideração o outro. Usando máscaras, também não todos, mudando costumes.

Obrigou-nos a perceber que, no mundo global, aquilo que acontece do outro lado do planeta nos afeta. Que não há como negar a importância da ecologia. Nos educamos para lidar com a crise e isso pode ter um saldo positivo.

A pandemia nos educa e ensina que, na vida, acatar a realidade ainda é a melhor saída. Quando teimamos, murros na ponta da faca, certamente teremos problemas maiores pela frente. É preciso aceitar que as coisas são como são. É preciso aceitar a vida como ela é, mesmo sob protesto.





A situação trouxe grande prejuízo, paralisação, fechamento, desemprego e mortes, uma tragédia global. E toda crise traz também reposicionamentos. Estamos todos muito fora do nosso lugar habitual. Restrições à liberdade, ao contato. A vida comum foi alterada e o tempo não passa, a sucessão dos dias iguais parece interminável.

A pandemia continua, a vacina não chegou, continuam morrendo pessoas e o contágio é perigoso. A negação é a pior coisa agora porque tem consequências. Por pior que nos pareça, é preciso cair na real para que este sofrimento não se prolongue nem aumente.

Vale lembrar o que escreveu John Donne, na Meditação 17, na apropriada e feliz lembrança de uma amiga com palavras que nos abraçam:

“Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma. Todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um pedaço de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido uma montanha ou a casa de um amigo, ou a tua própria. A morte de qualquer homem me diminui porque faço parte da humanidade. Por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.”