O fato de estar em home office não quer dizer nem de longe que trabalhamos menos. Este ano foi duro para todos no mundo. Trabalhamos muito mais. Tivemos que mudar nossas vidas radicalmente, nos reinventar e pegar firme para não desistir e jogar a toalha.
Não podíamos e nem podemos desistir, nem se quiséssemos, porque perdemos muitas pessoas queridas e milhares de outras desconhecidas em todo o mundo, nem deixamos de sentir o perigo de estar sob a mira de um assassino poderoso invisível e traiçoeiro.
Não posso imaginar o quanto os trabalhadores da saúde ralaram na linha de frente do perigo tentando ao mesmo tempo proteger seus familiares, que junto a eles aceitaram este desafio. São guerreiros também recebendo em casa aqueles em grande risco.
Nem o afinco com que se debruçaram na pesquisa para desenvolver as vacinas que hoje, graças a este esforço solidário e imprescindível para humanidade, têm salvado muitas almas. Assistimos seu sucesso, em tempo recorde na história, em debelar um flagelo que assolou nossa vida e ceifou tantas outras.
Somos gratos por aqueles que entendem que o homem não é uma ilha e que não se pode amputar certas partes do mundo das outras. E também não podemos excluir o outro, o respeito e a solidariedade. Aprendemos muito neste tempo.
Somos de fato uma aldeia global e o que acontece lá do outro lado do planeta também tem suas consequências do lado de cá. Precisou o coronavírus para isto ser absolutamente consumado como fato inegável. Ou será que alguns entre os muitos mentecaptos atuais ainda não sacaram este grande lance?
A revista Ecológica, lançada a cada lua cheia, tem contribuído imensamente na informação, discussão das dificuldades e avanço das ações humanas em sua relação com o meio ambiente. E uma das coisas importantes que tem sempre em pauta é que não haverá vida sem o cuidado ambiental e a reversão radical e atitudes agressivas e destrutivas contra nosso habitat.
Nosso habitat: nem meu, nem seu ou dos capitalistas, comunistas, machistas, LGBTQI%2b, católicos, protestantes, machos ou gays, homens ou mulheres. De todos os seres vivos. É de todos que vivem no planeta acima de todas as ideologias. A manutenção da vida deve ter supremacia sobre qualquer ideologia.
Exemplo disso está na edição de junho: “A revolução sustentável”. Mais exatamente na matéria “Ciência amorosa”, numa entrevista com Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, militante da Amazônia Legal.
Nobre sustenta a existência de um amor colaborativo da natureza, uma “força de fusão” que explica todas as formas de vida. Também acredita que o ser humano é uma galáxia ambulante de sistemas celulares. Nosso corpo funciona em perfeita colaboração. Respira, pensa, digere. Nosso sistema imunológico age como polícia natural contra o egoísmo negacionista que degrada a vida.
E mais, Nobre afirma que a teoria darwiniana da seleção natural que escolhe os mais bem-adaptados e os bem-sucedidos, deixa descendentes férteis. Mesmo a relação dos predadores com as presas é parte do sistema e o mecanismo é o mesmo do sistema capitalista. O mais forte empobrece o mais fraco. Em sistemas mais naturais, não acontece isto, basta olhar para trás uns 200 anos.
Há uma outra lei, natural, que se opõe à lei da sobrevivência do mais apto ou forte e determina o “gene egoísta”: cuido de mim e o mundo que se dane. Isto levou a um adoecimento da humanidade, que atualmente está caminhando para a auto-aniquilação.
A teoria da endossimbiose, criada pela cientista Lynn Margulis, entende que as células complexas, eucarióticas, são resultantes da associação de outras mais simples. Foi condenada pela inquisição como herege e, embora se admita que a teoria da evolução de Darwin tem seu papel, precisamos de uma visão amorosa para preservar o mundo. E por que não falar de amor?
Na próxima semana, escrevo um pouco mais sobre estas ideias que colaboram para adiar o fim do mundo incrementando a contribuição de Ailton Krenak.