Segundo a ciência, cada célula do corpo humano tem 100 trilhões de átomos. Dentro de cada célula, existem 23 mil genes. E agora estão mapeando proteínas codificadas por estes genes: 92 mil. São dimensões similares aos números com os quais os astrônomos lidam em seus cálculos.
O cientista Carlos Nobre, em entrevista à revista Ecológica, lançada na lua cheia de junho, percebe o ser humano como galáxia ambulante de sistemas celulares, assim como os sistemas do universo. Uma complexidade que suporta o ser, a existência, a consciência, a respiração.
Não pensamos o que a língua faz quando a comida entra na boca, o corpo é eficiente. Em nosso microbioma, as bactérias que vivem no sistema digestivo funcionam em colaboração. Em todo corpo, as células são solidárias – caso uma deixe de funcionar bem, as outras vêm em socorro do corpo para sua regulação. Viram uma chavinha e a desabilitam.
A Terra é um planeta tão raro que não conhecemos outro igual. Observada do espaço, é linda e há 4 bilhões de anos vive num sistema de autorregulação chamado homeostase, o mesmo que temos em nosso corpo.
A teoria Gaia difere da darwiniana da evolução: afirma ser a Terra um organismo vivo com qualidades de um organismo vivo e seus órgãos e células que se ajudam mutuamente. Esta teoria ganha credibilidade, pois vemos ser a Terra um planeta vivo e autorregulado, e sua estabilidade própria deve-se somente ao que chamamos vida.
A teoria Gaia afirma que há um amor incondicional da natureza que seria o motivo da harmonia e ela não admite atitudes egoístas, como se guiar pelo sucesso do mais forte sobre o mais fraco e o domínio do mais apto como condição para a sobrevivência de uma espécie.
Ao contrário, para a sobrevivência de todos, teríamos que nos pautar no exemplo da natureza e de nosso sistema orgânico de imunidade. Como já citado, quando uma célula está disfuncional, as outras agem para a regulação do organismo. Isto em termos de relacionamento social seria manter respeito ao próximo, estendendo a mão para os mais débeis, no bom sentido da palavra, para ajudá-los a se erguer.
Mas estamos na cultura e na linguagem e não conseguimos deixar de lado o particular, as ambições, as pulsões agressivas, o narcisismo das pequenas diferenças e, muitas vezes, preferimos excluir criando bolsões segregados ao invés da inclusão das diferenças.
O dilema do porco-espinho é uma metáfora criada pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) para ilustrar o problema da convivência humana. Uma grande manada de porcos-espinhos, numa tentativa de se proteger e sobreviver ao rigoroso inverno, começou a se unir, a juntar-se mais e mais. E, a partir deste exercício, encontraram a solução óbvia e instintiva, e não pensada ou racionalizada, de uma distância ideal na qual poderiam não se ferir e tampouco congelar.
Este exemplo demonstra quão pouco aprendemos com a Terra e a natureza para decidir nosso destino. Preferimos nos apossar, ser donos do mundo e superiores a tudo e a todas as espécies. Eu ouço muita gente dizer que prefere os animais às pessoas.
Nos apossamos de tudo fincando bandeiras, mas de um mau jeito. Conquistadores, opressores e até exterminadores dos animais que vivem na natureza e da própria natureza, e ainda não entendemos quanto a nossa cultura é destrutiva e egoísta.
Felizmente, muitos já se mobilizam por uma reversão, descobrem uma lógica mais construtiva, alternativa e amorosa. As campanhas pela reciclagem (menos plástico e isopor), reflorestamento e não devastação, energia limpa, cuidado com o lixo já são uma resposta que aponta para a lógica da vida. A tolerância também. Idealismo? Talvez... mas não é melhor sobreviver a continuar a escalada para a devastação?
Os índios consideram a Terra um ser vivo e sabem que a consciência da coletividade poderia salvar o planeta. Mas querem desterrá-los. Fazer com que se integrem a esta lógica que nos conduz ao esgotamento... O amor e por que não falar dele? É o principal remédio, e o indivíduo que vive para si mesmo deveria ser considerado uma anomalia; assim fazem as células do corpo. Não podemos mais ignorar o outro. Esta é a única receita que considero válida para adiar o fim do mundo.