“São os acasos que nos fazem ir a torto e a direito, deles fazemos o nosso destino, pois somos nós que o trançamos como tal. Fazemos o nosso destino porque falamos. Achamos que dizemos o que queremos, mas é o que quiseram os outros, mais particularmente nossa família, que nos fala. Escutem esse nós como um objeto direto. Somos falados e, por causa disso, fazemos, dos acasos que nos levam, alguma coisa de tramado. Com efeito, há uma trama – chamemos isso de nosso destino.”
Esta citação veio do livro “23”, de Jacques Lacan, sob o título de “O sinthoma”, na forma antiga de escrita. Muito interessante e clínico, traz novidades para nosso trabalho com pacientes.
Este trecho sobre o destino me interessou porque trata de um polêmico tema que afeta nossa visão de mundo e a forma como nos posicionamos em situações e momentos.
Alguns acreditam que o destino está escrito e que o que nos acontece faz parte da sina de cada um.
Outros, que as encarnações sucessivas nos fazem retornar para pagar dívidas. Ainda há os que entregam a Deus sua vida e tudo está em Suas mãos. Maktub é uma palavra árabe que significa “já estava escrito” ou “tinha que acontecer”.
Outros decidem tomar seu destino em suas próprias mãos e lutam para dirigir a própria vida – às vezes, erram como é de se esperar, já que o livre arbítrio nos permite escolhas e elas são como apostas, e como tal sem garantia.
Para nós, psicanalistas, é assim como escreveu Lacan: viemos dos outros, de uma família que nos gerou, educou, transmitiu valores e nos indicou o lugar que ocupamos na família e, principalmente, o desejo dele é nossa herança.
Assim, desejo é desejo do Outro (colocamos com maiúscula por representar sua grande influência). Torna-se nosso.
E quanto ao destino, bem... acreditamos no acaso. E ele não vai nos proteger como cantou Cazuza. Nós o construímos a partir das escolhas que fazemos.
Se deixamos as coisas caminharem à revelia de nossas decisões, o desastre é iminente. Pode contar como certo que adiar e deixar correr é não assumir posições e responsabilidades que poderiam ser muito mais resolutivas.
Sem dúvida. Se diante de uma encruzilhada destas em que sempre nos encontramos na vida e decidir a via a ser trilhada, é construir o destino. E o que este destino nos trará caso escolhamos pelo nosso desejo tem maior chance de sucesso. O nosso destino tramamos fazendo nossos próprios nós. Tecemos nosso caminho com nosso desejo.
Porém, se o desejo é desejo do Outro, como saber o que seria o nosso próprio? Se parte deste desejo vem do Outro, isso não anula o fato de que em nós existe um sujeito que é absoluta e radicalmente singular e único.
Encontrar este desejo, buscar nossa verdade que em parte é inconsciente, mas insiste em se mostrar, e nós não o escutamos e nem percebemos, é uma boa solução para a vida, porque ela vai com satisfação da realização do desejo. E não é destino. É direção. Mas o acaso não existe? Claro que sim e, às vezes, nos favorece mesmo. Ou não.
No entanto, fazer escolhas de acordo com o que nos motiva, direcionadas à vida que desejamos, é mais interessante do que passarmos pela vida alienados e submetidos ao desejo do Outro sem nem saber. Isto nos torna desinteressantes, entediados e com a sensação de carregar o mundo nas costas, pois não há alegria ou entusiasmo. Mais uma vez insisto: a vida sem desejo não tem sentido!