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Estado de Minas COLUNA PSI

Somos realmente justos e éticos?

Lenda do anel de Giges, narrada por Platão e retomada em livro por Eduardo Giannetti, revela a ambiguidade do ser humano diante da impunidade


17/10/2021 04:00 - atualizado 17/10/2021 09:16

Ilustração sobre ética: homem se olha no espelho
(foto: Lelis)

 
Conta a lenda narrada a Sócrates por Gláucon, irmão mais velho de Platão, que Giges era um pastor. Por onde pastoreava seu rebanho, caiu forte tempestade, abrindo uma fenda no chão. Curioso, ele desceu e encontrou no fundo um cavalo de bronze oco com aberturas. Através delas, viu um cadáver maior do que um homem, com apenas um anel de ouro na mão. Giges arrancou-o e saiu.

Os pastores prestavam contas ao rei mensalmente; Giges também, com seu anel. Durante a audiência, ele girou o engaste para dentro da mão e percebeu que deixou de ser visto. Testou sua descoberta para verificar se, de fato, o anel tinha tal poder. Tinha.

Senhor de si e de seu poder, Giges fez uso dele e se tornou logo delegado. Ia direto ao rei. Próximo da corte, seduziu a rainha e, com a cumplicidade dela, matou o rei, tornando-se soberano.

Essa lenda encontra-se no livro “A república”, capítulo 2, de Platão, e foi aproveitada para a discussão sobre o que é justo e o que é injusto entre Gláucon e Sócrates – cuja maiêutica consistia em questionar uma ideia até o fim, levando à confusão sobre conceitos preestabelecidos e considerados sólidos, desmistificando-os e indicando o caminho das pedras.

A questão era: se houvesse dois anéis, um no dedo do justo, outro no dedo do injusto, não faria diferença alguma, posto que até o justo, nessa situação, faria justiça (o bem) aos amigos e injustiça (o mal) aos inimigos. Então, seria tão injusto quanto o próprio injusto. E por aí foi a longa conversa.
Dizem que Sócrates foi o primeiro analista devido à sua habilidade e arte de usar a palavra para chegar à verdade última das coisas, assim como na análise somos conduzidos à nossa própria verdade, que estaria escondida no inconsciente, em estado de recalcamento e repressão. Ela será revelada por enigmáticos sonhos, atos falhos, lapsos de linguagens e o que Freud chamou chistes, que nada mais são que piadas e ditos espirituosos que, ao nos conduzirem ao riso, imediatamente revelam que entendemos a mensagem subliminar enviada.

No caso aqui, interessa um recorte muito interessante: a pergunta sobre quem somos, se justos ou injustos, se éticos ou não, quando a posse do tal poder da invisibilidade e da impunidade nos permitiria agir sem o constrangimento do olhar alheio e seu julgamento.

Traduzindo: o que faríamos quando, completamente livres para agir segundo nossas vontades, interesses e gozos, nos víssemos independentes das amarras morais e éticas civilizatórias? 

A educação nos impõe o domínio de impulsos egoístas como a agressividade e a violência – inata em cada um de nós –, que surgem em determinadas situações-limite.

Por que a educação é incapaz de nos conter completamente? Nossos impulsos permanecem latentes mesmo que racionalmente adotemos nos enquadrar, no que se refere ao coletivo, ou priorizemos nossas atitudes em benefício da viabilidade de fazer parte de uma cultura progressiva e saudável, capaz de extinguir a corrupção.

A pergunta é atual, embora tenha sido escrita pelo filósofo Platão (428-7 a.C./348-7 a.C.) e atribuída a seu discípulo Sócrates. A pessoa justa é aquela cuja estrutura psíquica se sustenta em princípios de justiça tanto nas relações internas, consigo próprio, quanto nas relações externas com as demais pessoas. Em uma sociedade corrompida governada por políticos hipócritas e demagogos, carente de educação adequada, poucos escapam da corrupção generalizada.

Então, nós, seres humanos racionais, capazes de agir com altruísmo e ética, seríamos justos se estivéssemos de posse do poder a nós conferido pelo anel?

Cabe a cada um questionar sobre si próprio, sua verdade e desejo, no intuito de conhecer aquilo que importa tanto para si quanto para o mundo que o cerca. Para tal, um bom caminho seria o divã.

Ali, a negação e as próprias mentiras e autoenganos podem ser confrontados pelo sujeito que preza valores por uma vida melhor tanto no sentido individual quanto coletivo. Haverá que incluir, no sucesso dessa empreitada, cuidados imprescindíveis em prol da civilidade e por um mundo melhor, ou seja, acolher diferenças, abolir preconceitos somando forças pacíficas e sobretudo sob comando de Eros, mais conhecido como o deus do amor.

Sobre o tema, recomendo fortemente o livro “O anel de Giges: uma fantasia ética” (Companhia das Letras, 2020), de Eduardo Giannetti. 

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