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Feminicídio: o amor idealizado e apaixonado não suporta perda

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Não gostaria de encerrar nosso trabalho neste ano sem protestar contra o que ainda é um fato com sérias consequências afetivas, civis e sociais, que recai principalmente sobre as mulheres. Os crimes continuam acontecendo. O amor é um afeto e nem sempre racionalizável, principalmente nas separações.





O amor idealizado e apaixonado não suporta perdas. Entender esta repetição tão violenta de crimes incompreensíveis e inacreditáveis é importante.  Importante porque é tratar da temática do amor e ódio em cada um de nós. Ninguém é isento desses dois polos que nos arrancam da ponderação e nos lançam no desespero capaz de suscitar ao máximo a agressividade desencadeadora da violência.

Os ideais de cada um regem as escolhas de objeto de amor. Os ideais da cultura que são os valores morais determinam as regras necessárias para tornar razoável a vida a dois. A lei sanciona a proibição de abuso e violência de um sobre o outro com a criminalização.

Mas nada é suficiente para coibir e impedir a dor causada na perda do amor quando o sujeito está fisgado por ele. O amor preenche o vazio que antecedia ao amor. Voltar ao vazio é difícil mesmo.

A relação rompida para quem não suporta o luto, a tristeza, desencadeia o ódio. O amor se transforma, não em seu oposto que seria a indiferença, mas em sua outra face que é o ódio. Como uma folha tem duas faces, duas páginas.





Um esclarecimento detalhado pode ser encontrado no livro “Feminicídio e psicanálise: uma questão atual” (2019), do psicólogo e psicanalista Marcell Felipe Alves dos Santos, mestre pela Faculdade de Medicina da UFMG – pesquisador do Programa de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência e dos Fenômenos de Violência, lançado pela Editora Artesã.

Segundo o autor, quando a relação de amor é interrompida, o ódio é fortalecido por uma regressão à fase sádica, a qual passamos na infância e depois recalcamos, esquecemos, e torna-se inconsciente.

Marcell recupera o que disse Freud e aponta a causalidade psíquica do ato contra o outro: “Este ódio pode, depois, se intensificar a ponto de tornar-se uma propensão à agressão contra o objeto (pessoa amada e odiada), uma intenção de aniquilá-la.” E a pergunta é: o que pode a psicanálise neste campo?

Prefaciado pelo psicanalista Paulo Ceccarelli, o livro traz contribuições valiosas sobre o tema que não se pode mais ignorar e nem conter completamente por não se tratar de algo racional, mas de um impulso incontrolável, tão difícil de compreender nos casos de um atentado contra a vida.





Desde cedo na vida é preciso ser educado, aprendendo a controlar a agressividade natural em nós e para viver na cultura é preciso que ela seja reconhecida e de fato civilizada.

Finalizando, acrescento que Lacan, em sua releitura de Freud, afirma que entre um homem e uma mulher existe um amor que pode ser descrito como um “a-muro”. Há muro de fato entre o amor de um homem e uma mulher.

A diferença entre o homem e a mulher traz dificuldades numa relação, embora em qualquer relação, seja hétero ou homossexual, haja dificuldades quanto às diferenças que as pessoas desejam ignorar. Querem fazer o impossível um com o outro.

O desejo é único e nunca duas pessoas serão uma só alma. As pequenas diferenças ferem o narcisismo e precisam ser administradas e respeitadas. Sem respeito o amor leva ao ódio.


audima