Jornal Estado de Minas

PSICANÁLISE

É impossível ser totalmente feliz

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A psicanálise nos leva a considerar o mundo como ele é. Imaginário. Alguns discordarão dizendo que ele é bem real. E devemos concordar também com estes. O mundo é um real imaginarizado por cada um a seu modo. Além da consistência palpável do corpo, e sem corpo não há vida, existe a representação que fazemos de tudo na nossa cabeça.





Representação imaginada por cada um de acordo com a visão de mundo. Podemos ver o mesmo objeto de diversos ângulos e discordar em sua descrição porque a posição dos que o veem é diferente, sempre singular. Há várias leituras e entendimentos do mundo porque o interpretamos com matizes afetivos muito íntimos.

A vida, no entanto, não se reduz a nosso imaginário poderoso, que nos ajuda a dar consistência à vida. Cada um dá seu próprio sentido ao que vive e descreve, reage, age de maneiras variadas, mas existe uma realidade.

Existe uma realidade que compartilhamos, fazemos laços, construímos espaços de convivência, nos unimos e trabalhamos pela construção da sociedade para proteção e segurança comuns. Esta realidade é plural e nela não se pode encontrar o que muitos desejariam: uma verdade única.



Pelo que vemos, nossa obra é imperfeita. Deixa a desejar não apenas pela incompetência humana, mas porque entre nós e a realidade existe o real. O real não é o mundo, porque ele não pode ser representado ou atingido. Ele também não é universal, não podendo ser compartilhado como um para todos, cada elemento é único para cada sujeito.

O real é aquilo do que sempre nos queixamos porque atrapalha a vida. Repete sempre o mesmo, atravessa a vida impedindo que as coisas andem, desorganiza todo planejamento, nos obriga a alterar planos frequentemente. Para os que querem a felicidade, ele é responsável por impedir que a alcancemos simplesmente nos esfregando a vida na cara.

Por isso, é escravo aquele que quer ser muito, muito feliz, sempre! É um autoengano viver em busca da felicidade plena. O único lucro é ser sempre contrariado e insatisfeito, porque a vida nos atrapalha de ser feliz. Lucro masoquista: sofrimento usufruído.





A vida é um progresso de dias repletos de acontecimentos, escolhas a serem feitas e problemas para resolver. Se não estamos atentos, ela nos atropela e machuca. Porque para viver a vida é preciso muito trabalho e esforço para organizar, dar limites, recortes e, em certos momentos, ter coragem de ir em frente e se bancar.

Infelizmente, para os que só querem ser felizes, sou portadora de um imprescindível e incômodo aviso: aceitar o impossível desta missão e abraçar o possível. Colocando os pezinhos bem firmes no chão, na razão sem negação, porque é preciso muito trabalho para alcançar alguma felicidade possível. Descansar em paz, só desencarnando.

Aí, sim, a vida segue entre atropelos do real, mas já não somos os mesmos. A felicidade é uma ilha, da qual desfrutamos em alguns intervalos – aí, sim, possíveis –, nos mares navegáveis da vida. Ora calmos e serenos, ora turbulentos e ondulantes.