Desejamos boas-novas e tanto que nos apressamos demais em crer no que anunciam. O otimismo é um ingrediente importante na vida. A esperança, porém, é de outra cepa e sendo a última que morre seria bom entender porque sempre é assim.
Vem da mitologia. Quem nunca ouviu falar da caixa de Pandora? Pandora foi esculpida por Zeus e de uma faísca ganhou vida. Era feita à imagem de Afrodite, deusa do amor, esposa de Zeus. Prometeu, deus do fogo, deu aos humanos o fogo e assim eles dançavam e coziam em torno dele. Zeus o casou com Pandora, deu-lhes de presente uma caixa e, mistério dos deuses, a condição era de que jamais fosse aberta.
Claro, ela não resistiu. Abriu. De lá saíram coisas horríveis. Primeiro saíram voando a inveja e o ódio, e tomaram conta de tudo. Depois, o ódio e a dor e tiveram o mesmo destino, contaminando tudo. Doença, fome e pobreza gemiam tentando agarrar Pandora. Guerra e morte pulavam rodando no ar. Todos os males daquela caixa saíam e, arrependida, Pandora a fechou depressa se perguntando por que fizera aquilo. Ela não sabia... Dentro da caixa restou a esperança.
Os homens também guardam a esperança e, por pior que estejam as coisas e por muitos problemas que tenhamos, nós ainda esperamos. Porém, a expectativa não anda sozinha, sem as atitudes. Ela sozinha é água parada e fonte de ansiedade. E quanto mais esperamos sem agir em nosso favor, mais cresce nosso sofrimento.
Os desejos dependem de nossas ações para sua realização. Mas nem todos os desejos gritam, parte deles é inconsciente, outros sutis. Se não os escutamos, nem lhes damos crédito, e até mesmo vençamos os medos que nos paralisam de ir à luta por eles, menor a chance.
Pandora ficou com a esperança trancada dentro da caixa e, certamente, não voltou a abrir. Lá, ela ficou presa e inútil. A vontade de que tudo dê certo é sedutora, até para os mais céticos. Todos queremos que as coisas deem certo, afinal.
Sejamos realistas. É o trabalho do homem que move o mundo e o que ele realiza teve como fruto a construção de todos os alicerces para a civilização que agora temos. Com todos os problemas e vantagens que conhecemos bem.
A violência policial do episódio do gás lacrimogêneo que fez uma vítima recentemente é um exemplo indubitável. Por outro lado, o tempo recorde em que cientistas trabalharam pela vacina contra a COVID-19 é outro, assim como assistir aos trabalhadores da saúde durante a pandemia lutando pela vida alheia nos mostrou o quanto o homem pode ter escolha.
Estamos sempre andando em estradas perigosas e a única forma de fazer o que serve a todos é acatar a lei, ter uma ética que norteie ações, mesmo que vá contra nossas vontades individuais e as vantagens que tiraremos disso.
De fato, não temos nenhuma certeza sobre o futuro a não ser que somos mortais. Nós, reles mortais, nos submetemos àquilo que nos dizem os doutores e confiamos nas autoridades, mas devemos considerar o óbvio. E estamos no coletivo. Nossas escolhas implicam a todos.
Somos resultado do que fazemos e cabe a cada um responder por tudo que diz respeito a própria vida. O que não sabemos é o que está dentro, inconsciente, e ainda assim é de nossa responsabilidade. Se cometermos um crime, sabendo ou não da lei, somos responsáveis. A negação não ajuda por mais que queiramos nos livrar da peste.
A COVID-19 está aumentando e me parece ter sido precipitado liberar máscaras em todos os lugares. A população, otimista e esperançosa, respirou aliviada quando foi anunciada a medida em abril. Sinal de que o momento mais crítico foi, de vez, deixado para trás. Apesar do alívio, tomemos cuidado, a realidade nos mostra que a COVID-19 anda à solta... bom é que estamos mais imunes e a variante, menos letal.