A petição pelo afastamento da juíza Joana Ribeiro Zimmer proposta pelo coletivojuntas.com.br correu nas redes sociais e comoveu a sociedade. Eles militam em defesa da menina estuprada, a quem a juíza negou o direito ao aborto, colocando em risco – com uma gravidez precoce – a vida da criança de 11 anos.
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33 milhões de brasileiros passam fome. Devemos chorar e agirViagem no tempo mostra que há conquistas, mas também lutas a serem vencidasDeixar a ficha cair é acordar e ver que o rei está nuEstamos pagando caro pela nossa insensatezBolsonarista x petista: um crime que nos ensina sobre subjetividade humanaO que Levi, de 'Pantanal', nos ensina sobre a dor de existirExiste no Brasil o Estatuto da Magistratura e a Lei Mari Ferrer, que resguarda a vítima de violência sexual no processo judicial e permite o aborto nestes casos. A lei é justa e, por isso, foi criada.
Afinal, houve intervenção da Justiça de Santa Catarina e o procedimento foi autorizado. Mas, como corre em sigilo por tratar-se de menor, nós nem deveríamos estar a par disso e já sabemos até demais. Não era para circular na mídia uma situação tão trágica expondo a criança. A família precisa de ajuda. Felizmente, encontra-se viva, mas que futuro está reservado para esta menina?
Este crime nos remete a muitos outros que, infelizmente, ocorrem e nos deixam chocados com a perversão, a crueldade com que muitas vezes nos deparamos. Não somos ingênuos e atos de crueldade sempre existiram na história da humanidade, quando o processo cultura e os ideais da cultura não alcançaram em alguns a assimilação necessária para viver em sociedade.
Me lembrei de muitos casos: atiradas pela janela, espancadas por um padrasto ou pelos próprios pais, abandonadas pela mãe, amarrados nas cadeirinhas na creche e muitos outros que nem quero citar.
A criança é vulnerável, nasce e cresce sob cuidados de terceiros e, durante muitos anos, depende dos adultos, nem sempre os que a trouxeram ao mundo, mas este é outro assunto que deixo para depois. Sejam quais forem os responsáveis ou irresponsáveis, o futuro delas depende daquilo que viveram e das marcas que foram deixadas.
Na convivência em família, um romance se desenrola diante de cada um de nós. Os acontecimentos são interpretados pela criança à luz do seu entendimento e o imaginário trata de completar as lacunas para dar certa lógica ao que vivemos. E assim o que interpreta a criança sobre o que vive nem sempre corresponde aos fatos.
E essa lógica, sempre ligada às fantasias infantis, é o registro que fica. É a verdade que norteia sua existência e que ela repete em sua vida. A criança superprotegida aprenderá que assim é porque o mundo é perigoso demais e poderá temer a socialização que está fora do âmbito familiar. A criança que sofreu violência e humilhação poderá encontrar grandes apuros no futuro para encarar a vida adulta. A criança envolvida pelo casal parental em sua vida de casal terá fantasias que a inibirão na vida sexual futura, e por aí vai. Não há resposta padrão, porque cada um vai entender a seu modo e se fixar numa posição psíquica que será consequência do que fixou como sua verdade familiar.
Da ficção infantil sobre o romance familiar, vem o adulto. Nenhum é igual ao outro, cada um é único e, diferentemente da lógica capitalista que apregoa que ninguém é insubstituível, nós da psicanálise pensamos que todos somos insubstituíveis, o que um sujeito diz nenhum outro dirá como ele, sentirá como ele. Somos únicos e cada criança nascida será adulto do futuro e será, em parte, responsável pelo futuro da humanidade.