O trágico episódio que tirou a vida de duas pessoas, uma que comemorava seu aniversário e outra que para lá se dirigiu para realizar um ato de ódio pela diferença, merece atenção, tanto por tratar-se de ser um ano eleitoral quanto pelo que nos ensina sobre subjetividade humana.
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O que Levi, de 'Pantanal', nos ensina sobre a dor de existirQue futuro está reservado à menina de 11 anos vítima de estupro?33 milhões de brasileiros passam fome. Devemos chorar e agirSaiba o que o Galo tem a ver com a vida e com a paternidadePrecisamos de outras linguagens, outras palavras a serem escutadasEstamos pagando caro pela nossa insensatezAs duas têm a mesma origem. Nascemos e nos humanizamos, uma vez que nossas satisfações dependem de outrem por muitos anos e do outro também assimilamos a linguagem. Com ela, e a partir dela, assumimos as regras morais da cultura e seus ideais, sacrificando parte de nossas pulsões primitivas.
As pulsões de vida dizem respeito ao movimento, ao desejo e a tudo aquilo que nos leva em direção às realizações, relações e ao trabalho humano de construção, invenção, descobertas. As segundas – as pulsões de morte – são as do desejo de retornar ao inanimado, à odiosidade, que levam o homem a disputas e guerras, à negatividade.
As duas estão presentes em todos nós em diferentes proporções, porém fusionadas, amalgamadas, e assim podemos desfrutar de uma e outra sem grandes prejuízos. É uma temperando a outra. Precisamos dormir, mas também acordar! Descansar e trabalhar.
O problema se dá quando ocorre a desfusão das pulsões, quando se separam. O resultado é trágico. Perdemos o equilíbrio, a temperança e nos jogamos a paixões extremas. Podemos chegar a crises de excitação e mania incontroláveis, e também ao que assistimos na última semana: ao auge da odiosidade, ao ataque e assassinato.
O ódio sem a mediação de uma lei que impeça o gozo feroz e cruel de um sobre o outro torna-se incontrolável. E quando o homem não é impedido pela lei, quando ele sabe dela, porém faz mesmo assim, ele quebra o pacto legal que sustenta os laços sociais e permitem a convivência na cultura.
Ele é capaz de romper as barreiras da ética e da moral que fazem parte dos ideais da cultura, perde o respeito pelos bons costumes, pelo que o contraria. Se enfurece e descarrilha feito trem-bala.
O diferente que fere seu narcisismo – “Narciso acha feio o que não é espelho” – e põe-se a trabalhar pela aniquilação no mundo, daquilo que não é si próprio. Ora, Narciso morreu por paixão a si próprio. Um amor louco que o petrificou à beira de um lago. Apaixonou-se por sua imagem.
Vimos aí pulsão de vida sobrepujada pela de morte. O extremo da paixão é também expressão da pulsão de morte, sem possibilidade de razoabilidade alguma. Ficamos passionais e já não pensamos.
Assim, a pulsão de morte sobrepujou a de vida. A serviço da paixão, amor e ódio são dois polos do mesmo. Não se pode mais aceitar o outro por pensar diferente. Deve ser exterminado. E assim provocou o lamentável episódio. E muitos outros de feminicídio, por exemplo, suicídio e esse.
Só nos resta lamentar que nos tornemos joguetes das forças que nos impelem quando a ética e a lei faltam em sua função de nos submeter a limites imprescindíveis, os quais não podemos ignorar.