Jornal Estado de Minas

Em dia com a psicanálise

Precisamos de outras linguagens, outras palavras a serem escutadas

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No sábado, 23 de julho, tive a alegria de participar, na Biblioteca Pública de Ouro Preto, do lançamento do número 81 da Revista da Academia Mineira de Letras. Uma publicação anual desde 1922, quando o poeta Mario de Lima era o presidente. Este número celebra 100 anos da revista e é bem-vindo pelo tema atualíssimo e de grande relevância para nosso tempo.





Parabéns aos organizadores pela elegância e conteúdo escolhidos neste empenho coletivo. Na bela capa, pintura de Jorge dos Anjos, artista ouro-pretano, fotografada por Inês Rabelo e Guto Cortes. Texto da orelha por Edmilson de Almeida Pereira. Poesia de abertura de Flávia de Queiroz. Revisão de Leonardo Mordente, que muito agradou pelo respeito com as grafias.

Não podiam ser mais assertivos na escolha do tema que aponta outras linguagens, outras palavras a serem escutadas, indicando a urgência da inclusão das diferenças, do alargamento dos nossos horizontes para outras formas de pensar possíveis em tempos de grandes ameaças democráticas no país.

Frente ao avanço do crescente discurso da direita autoritária e colonialista, eivado de preconceitos, que pretende a hegemonia dos valores capitalistas e neoliberais, desfavorecendo um olhar humano para as margens da sociedade de consumo. Para as periferias, as classes menos favorecidas e a miséria com polo oposto e consequência das cada vez maiores fortunas acumuladas por poucos.





Este número foi cuidadosamente preparado. Conta com dossiê sobre “As literaturas africanas de língua portuguesa”, organizado por Rogério Faria Tavares e a professora Maria Nazareth Soares Fonseca (UFMG); e dossiê sobre “Poesia indígena de Minas Gerais”, a cargo da professora Maria Inês de Almeida (UFMG) e do escritor e professor indígena Ailton Krenak.

O dossiê das linguagens africanas foi composto por ensaios de especialistas do Brasil, de Portugal e da África sobre escritores e escritoras de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, que tem o português como língua oficial.

Os escritores e poetas selecionados desde tempos coloniais até agora trazem propostas literárias de quebra de padrões externos em um mergulho em questões específicas de seus países. Esta escrita trouxe à luz o lugar fundamental que a literatura de cada um destes países africanos ocupou no processo de conscientização e exortação para a luta antimanicomial.





Segundo relata Maria Nazareth, permite compreender as escolhas temáticas e formais dos escritores e escritoras principalmente no campo da poesia e expressa o desejo de fazer da literatura veículo de contestação, uma arte voltada à resistência contra o domínio colonial, sem abandonar os aspectos próprios à escrita literária.

O segundo dossiê contemplado – “Poesia indígena de Minas Gerais” – apresenta um conjunto de textos e poemas que pertencem a grupos étnicos tradicionalmente marginais à cultura moderna do impresso, mas possuem vasta poesia oral. Somente por volta de 1990, depois do Programa de Implantação das Escolas Indígenas de Minas Gerais criado pela Secretaria de Educação, a UFMG, o Instituto Estadual de Florestas e a Fundação Nacional do Índio, foi possível “passar para o papel” histórias e cantos transmitidos por gerações até hoje. São obras Maxakali, Krenac, Xacriabá, Pataxó, Kaxixó, Kukuru-kariri.

Segundo os organizadores, “os textos são uma metonímia da poesia indígena de Minas Gerais, paisagem secreta desde tempos imemoriais trazendo vozes dos que aqui viveram agora suportada pela escrita de seus descendentes”.





Uma escrita emocionante em quem poderemos garimpar belezas e riquezas, aprendendo que “a ancestralidade cura”. Deixo aqui o poema de Ailton Krenak, publicado pela Universidade da Bahia, entre outros artistas indígenas, o que muito o alegrou:

“Um outro céu”:

Sumiu mesmo/Desde sempre esteve oculto/nas dobras do tempo /Como raio/em noite escura/desce à terra/para trazer dor e loucura/Escondido nessas dobras / dormita feito obra/ de um gênio que malogra/Pois nunca soube do bem/que das alturas /o céu contém.

Outras linguagens diante de um real impossível de suportar que apontam para o fracasso da nossa civilização talvez possam trazer “ideias para adiar o fim do mundo”.