“Os vícios do homem, tão repletos de horror como supomos, contêm a prova (quando não fosse apenas a infinita expansão dos mesmos!) de seu gosto pelo infinito; acontece que é um gosto que sempre toma o caminho errado.”
• Charles Baudelaire, em “Paraísos artificiais”
Saindo do forno uma bela contribuição da psicanálise à clínica da drogadição, com rico material clínico e teórico. Um recorte da vasta experiência do psicanalista Oscar Cirino está no livro “Psicanálise, drogadição e atenção social” (Appris Editora). Para aqueles que circulam em torno do sujeito envolvido com as drogas, sejam familiares, profissionais e interessados, é leitura esclarecedora, que derruba preconceitos.
Oscar é psicanalista, graduado em filosofia pela UFMG, em psicologia pela PUC Minas e mestre em filosofia pela UFMG, com experiência clínica com pacientes. Autor também de “Psicanálise e psiquiatria com crianças – Desenvolvimento ou estrutura” e coautor e coorganizador dos livros “Álcool e outras drogas”, “Escolhas, impasses e saídas possíveis” e “Psicóticos e adolescentes: por que se drogam tanto?”
A experiência vem de 17 anos (1999-2016) no Centro Mineiro de Toxicomania da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), onde, além de outras funções, Cirino foi gerente assistencial no período de 2006 a 2011. Também atua como professor em várias universidades e supervisionou serviços públicos de atenção psíquica da capital mineira, como o Caps.
Devidamente apresentado, não resta dúvida sobre o quanto Oscar Cirino pode nos transmitir sobre a difícil clínica, na qual trabalha com o sujeito submetido ao gozo do consumo ilimitado. Aponta para a lógica da drogadição – palavra que vem do latim addictus (estar obrigado, dedicado ou entregue a alguém) –, que é semelhante à do capitalismo, na qual estamos todos mergulhados. Sem admitir renúncia pulsional, ao contrário, essa lógica nos incita ao excesso.
Oscar nos convida a acompanhá-lo em sua aposta de que o discurso psicanalítico pode ser ferramenta valiosa no complexo campo da drogadição. Entre 15 artigos e ensaios, há textos já publicados – aqui revisados e modificados – e textos inéditos, organizados em duas seções, de acordo com a natureza prioritária de seu conteúdo: fenômeno sociocultural (“Consumo, segregação e laço social”) e clínica na atenção psicossocial (“Mais além dos circuitos de recompensa cerebral”).
Ao deslocar o foco dos efeitos do tóxico no organismo e no comportamento para o “lugar e a função da droga no dizer e na economia libidinal de cada sujeito, a psicanálise busca retirar o drogadito da posição de objeto, de um saber estabelecido a priori, para conduzi-lo ao reencontro com o valor de sua palavra e de seu desejo, os quais lhe podem desvelar outros modos de gozo e possibilidades de vida.”
No belo prefácio, a psicanalista paulista Michelle Kamers aponta que são inumeráveis os objetos de gozo aos quais o sujeito pode se apegar, permitindo assim que a droga seja (des) erotizada e, em seu lugar, outros objetos, como substâncias psicoativas, comidas, exercícios físicos, bebidas, sexo, consumo, álcool, jogos, assumam o mesmo valor da droga pela forma de relação mantida pelo sujeito.
É importante destacar a afirmação: “Somos todos usuários da língua e de objetos que nos fazem gozar”. Então, por qual razão apenas os usuários de substâncias psicoativas são incluídos na categoria “drogadição”? Como sabemos, a partir da psicanálise, qualquer objeto pode ser utilizado como tóxico, desde que dê algum contorno ao mal-estar e ao sofrimento.
Para encerrar, uma pincelada no social bem pensado, na medicalização do cotidiano com drogas legalizadas prescritas em excesso para anestesiar a dor existencial inerente à vida. Felizmente, não foi capaz, ainda, de erradicar nossa humanidade.
“PSICANÁLISE, DROGADIÇÃO E ATENÇÃO SOCIAL”
• Livro de Oscar Cirino
• Appris Editora
• Lançamento no próximo sábado (24/9), das 11h às 14h, na Cafeteria Frau Bondan do CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários)