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Fomos educados por nossos pais para fazer parte da cultura, da comunidade. Aprendemos a linguagem por meio deles, e com ela vêm as regras que norteiam nosso comportamento. O certo e o errado. O permitido e o proibido. As regras de comportamento, higiene, alimentação.





Fomos acolhidos, agasalhados, alimentados e ainda receberemos muito mais, porque nascemos sem conhecimento ou noção de nada. Nem fomos dotados de instinto animal. Prematuros como nascemos, nem sobreviveremos se o Outro não nos acudir, não nos introduzir na vida pelo cuidado integral e nos educar.

Educação é a coisa mais difícil de assimilar e também de transmitir. Para a criança aprender uma coisa, repetimos trilhões de vezes. E não garantimos que aprenda, porque sabemos o que falamos, mas não o que o outro escuta.

A educação é maçante, repetitiva, é frustrar o outro, podar o “mas eu quero”. Enfrentamos birras e desobediência das crianças, que não abrem mão facilmente da liberdade. Temos de fazê-las substituir o prazer pelo dever. Porém, sem a humanização e a educação, seríamos bárbaros ainda. Portanto, ambas são imprescindíveis – e não opcionais, como alguns querem crer para trabalhar menos. Quer gostemos ou não, e quase sempre detestamos, a educação é salvadora, embora nos contrarie, nos cerceie, nos faça abrir mão da agressividade, da sujeira. Nem sempre gostamos de ser higienizados, polidos, gentis e colaboradores. Até hoje temos nossas rebeldias...





A transmissão de valores morais é imprescindível para a sociedade atual e gerações vindouras. Devemos ser honestos, corretos, esforçados, capazes de trabalhar e amar. Ter uma vida normatizada e, portanto, normalizada. Saber conviver socialmente, profissionalmente e afetivamente. Assimilar valores dignos que nos tornarão cidadãos, pessoas de bem, e nos levarão a contribuir com a comunidade de maneira positiva.

A cidadania consiste na condição da pessoa que, como membro do Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política. E terá igualmente deveres a cumprir com presteza, correção e honradez.

Disse Erico Verissimo ao outro diante dele no espelho: “A coisa não é tão simples”. Ao que o outro, seu reflexo, responde: “Eu sei, eu sei, mas vamos adiante companheiro. É pelos sendeiros do erro e da dúvida que havemos de chegar um dia ao reino da verdade.”





Mas é incerto alcançar a verdade. Ela é múltipla. Alcançar a verdade seria catastrófico. Ver o que se passa no outro. Ver tudo o que o outro faz quando ninguém está vendo... Não temos garantia de que toda a educação transmitida foi assimilada.

Pelo andar da carruagem, pouco nos restou dos bons e desejáveis hábitos para a sobrevivência em comum. Continuamos destrutivos e animalescos, sem querer ofender a harmonia da natureza dos animais. Pior: nossos valores foram corrompidos pela ambição, exemplos não nos faltam. Nem estou contando com as atuais fake news, ainda piores do que a indústria da fofoca, ou até parentes próximos, pois dizem que quem conta um ponto aumenta um ponto.

Moldar o caráter de um homem é tarefa árdua. E se o maior valor, apesar das evidências de que a fome anda ao lado, é o dinheiro, os brinquedos de luxo, a ostentação, falhamos completamente.





Neste “tudo por dinheiro”, se dá nó em pingo d’água. Driblando a lei sem nenhum pudor. Enriquecimento ilícito sem prejuízo para o criminoso é de praxe aqui. Pode tudo. O colarinho branco está a todo vapor – não se espante se descobrir que pessoas muito próximas, da mesma educação que a sua, agem de modo inescrupuloso e desonesto.

Lacan diz que somos como um frango partido ao meio. De um lado, se vê a plumagem; e de outro, os órgãos expostos. Ou seja, quem vê o lado belo não supõe o que vai no outro. Se um dia, porventura, nos fosse possível ver a verdade nua e crua em nossa frente, seria uma insuportável dor. Parte grande dela fica escondida. Neste dia de revelação em que cair o véu – digo hipoteticamente, pois é impossível –, os sete infernos de Dante dariam overbook.