O ano passou tão rápido que de repente estamos a poucos dias no Natal e do réveillon. Ano difícil de pós-pandemia, quando tivemos que retomar atividades presenciais arrastando conosco ranços do isolamento prolongado.
Foram várias mudanças. No modo de trabalho, que migrou para on-line e ainda vem se mantendo, houve avanço inegável e economicamente vantajoso nos custos e também nas distâncias, o que nos fez ganhar tempo e entender que podemos viver mais com menos.
Uma das maiores diferenças que ficaram claras depois de tudo o que passamos foi a introspecção. Ficar mais solitário, por causa das restrições que nos prenderam e afastaram do abraço, do agito, de encontros, reuniões e festas, encaminhou o olhar para dentro. Embora neste ano tudo tenha voltado à normalidade, digo, o comércio, as aulas, clubes, shows, gente nas ruas e bares e tudo mais, o que passamos nos mudou. Estamos diferentes.
Ficamos obrigados a conviver com a falta do calor humano. Se antes o excesso era a tônica vivida, veio a falta e nos empurrou para dentro de nós mesmos e encontramos ali uma ausência, um vazio para o qual tivemos que dar novos sentidos. Vazio antes encoberto pela vida agitada. Isso fez com que as pessoas percebessem que precisam se cuidar, olhar para si, escutar a si mesmas – e as consequências disso não são poucas.
Escutar-se é muito difícil e nos leva para o mundo da subjetividade. Isso faz com que nos encontremos com dificuldades, carências, a demanda de amor e a servidão voluntária, que não têm resposta e lugar mesmo quando o outro está presente. Assim, perdemos a referência de estar sempre nos referindo ao outro, expostos a seu olhar e presença. O olhar do outro tem extrema importância e nos afeta. A demanda do outro não se pode atender toda e tampouco responder suficientemente. Entender isso muda as coisas. Toca a afetividade.
Por isso, a demanda pelo tratamento, os pedidos de socorro apareceram e proliferaram, evidenciando a necessidade de falar e ser escutado, fazendo com que as pessoas saiam do marasmo e se movam em direção a seu próprio desejo, tendo a oportunidade de vivificar pequenos detalhes, coisas simples.
Diante de nossa divisão entre consciência e inconsciente, da administração do narcisismo, da dissimetria entre a imagem que nunca coincide com o que somos, a falta de certezas e de verdade única que nos obriga a adotar uma ética para viver e tomar decisões, arcar com elas, se autorizando, nos coloca diante de conflitos, ansiedades e angústias.
A angústia é quando a falta nos falta. Quando queremos recobrir todas as faltas com certezas e nunca podemos admitir nossa versão vulnerável, divisões e a falta de síntese. Porque somos mesmo seres de falta, e deixar vago o espaço para que haja desejo é saudável. O problema é que as pessoas têm medo do espaço aberto e livre de garantias.
Absolutizar tudo é adoecer. Ser dono da certeza e do saber é negar a errância, nossa humanidade, e é, de fato, lidar com o real que está sempre a nos apontar a falha no planejado, o furo nos esquemas, o desarranjo do arrumado.
Portanto, se a clínica da psicanálise está neste momento recebendo muitas demandas, é pelo fato de a escuta proporcionar um remanso nas aflições, um azeite nas exigências do juízo crítico atormentador, um silêncio antes nunca praticado e que permite repouso à alma. Um tempo de recolhimento que nos ensinou a nos acolher a nós próprios, a nos abraçar em nossas imperfeições, a dar ao Outro o que é do Outro e só a ele pertence.
A função de tampar os buracos do mundo, como muitas pessoas acreditam ser possível, é engano que traz infelicidade. Afinal, nada mais frustrante do que correr o tempo todo atrás da felicidade, que não é uma constante. São apenas momentos que podemos ter.
A alegria é de outra cepa. É produto de uma vida com desejos realizados, mesmo que modestos e pequenos. É resultado da vida dirigida por um sujeito. Na vida, como na linguagem, toda frase precisa de um sujeito. Mesmo que oculto, mas ali, positivo e operante. Esta é a vida que vale a pena e é isso que pode proporcionar a genuína alegria, apesar da dor existencial inerente a toda vida que se sabe finita.