Poucas vezes me lembro de ter publicado no domingo de Natal, mesmo escrevendo há tantos anos. Hoje estamos reunidos em família ou até mesmo sozinhos em casa preparando um bom café da manhã, um almoço especial, com o prazer em comemorar esta data.
O aniversário de Jesus é festejado em quase todo o mundo por aqueles que são cristãos e até pelos que não são. Pelos que creem ser Ele o filho de Deus e pelos que o conhecem por seu nome e feitos, pelas sábias palavras, por defender Maria Madalena do apedrejamento, feminista que era. E por andar nos trilhos da globalização, isto é, a esmo, encontrando diferentes povos e pessoas sempre com uma palavra de acolhimento, uma parábola para ensinar, abrindo olhos de cegos e ouvidos de surdos.
Tanto é que sua fama atravessou séculos. Ainda vivas hoje, suas palavras são tomadas como orientação de vida por milhares de almas, as mais perdidas, e o mundo ganha novos adeptos e crentes, sendo o evangelismo um forte ativismo político-religioso, com grande alcance.
Só lamento pelos evangélicos terem se deixado arrastar para a política, entrando no lamaçal da hipocrisia de modo torto e equivocado. A bancada evangélica de extrema direita não representa a simplicidade de Jesus. O moralismo vem acima do amor, e isso não é bom.
Jesus pregou o amor acima de todas as coisas. Em sua tolerância, incluía a todos em sua mesa, e andava atrás de almas em sofrimento, sem julgamento ou seleção do tipo “este sim”, “este não”. Todos eram bem-vindos ao reino de seu Pai, todos eram convidados, e aqueles que aceitavam o convite muito o alegravam.
Até mesmo no momento de seu martírio final, ali na cruz, teve tempo de acolher um ladrão, que, arrependido, ainda esperava socorro. Jesus, em agonia, dirigiu a ele palavras de alento e esperança, mesmo sendo a morte o horizonte óbvio. Assim, de certo modo, vencia a morte. Mesmo que o corpo falecesse. São duas as mortes, a do corpo e a do desejo. Foi assim que Jesus deu um sopro de esperança ao moribundo.
Não discuto com crédulos e incrédulos quanto à divindade ou à vida eterna. No que crer, isso cabe a cada um decidir. Certo é que, pela fé e por amor, montanhas se movem para drogados, alcoolistas, malfeitores que superaram a pulsão de morte e alcançaram uma vida digna.
Provar “a verdade” como única não é o caso aqui, mas reconhecer os efeitos da fé na vida das pessoas é um fenômeno que nos interessa.
Como disse a música, a esperança vem até mesmo das antenas de TV e há arte em viver da fé, só não importa a fé em quê. Devemos jogar fora aquele dito “pau que nasce torto morre torto”. Por amor se muda uma vida, sim. A psicanálise é a prova de que o amor ao analista e o trabalho com as palavras salvam as pessoas de seu sofrimento, e elas renascem para o desejo adormecido.
Acordo pensando se hoje, no grande dia da festa cristã, as pessoas que estão na porta do quartel vizinho de onde moro deixarão os ideais de manifestantes para se reunirem no amor. Deixando as contendas de lado e torcendo todos pelo Brasil que desejamos. Pelo que pode dar certo. Sempre, não importa quem vença ou perca as eleições, como manda a democracia e a Constituição. Protestar faz parte, mas intervenção militar é outra coisa. E o mesmo diria diante da judicialização crescente na política.
Pergunto-me se os inconsoláveis estarão reunidos apenas com aqueles familiares com o mesmo ideal e partido político, a mesma fé, ou se acolherão e reatarão com os que discordaram e foram banidos e odiados. O perdão e a tolerância serão praticados neste Natal? Serão comemorados os mandamentos de Jesus? Porque nada disso se viu nas brigas entre irmãos, amigos, familiares.
Serão os diferentes acolhidos? Haverá lugar à mesa para o que vive solitário, abandonado, sem família, sem abrigo? Haverá lugar para os pacifistas, os que não se armam, os que têm misericórdia pelos doentes, empatia no sofrimento e na diferença, de braços abertos para o que representa a vida, o para-todos tão difícil de praticar?
Seria o melhor dos mundos se as mãos se dessem e o amor superasse o ódio. Este seria o Feliz Natal!! O Natal dos dignos, dos que estendem a mão para incluir o outro, seja ele par ou ímpar, sem condená-lo ou julgá-lo. Seja hetero, gay, trans, puta, normal, doido ou ladrão.
Utopia ou não, seria um mundo melhor.