É triste ver as fotos dos ianomâmis magérrimos, desidratados e morrendo, conforme informa a imprensa. Disseram ainda que a Polícia Federal abriu investigação para apurar possíveis crimes de omissão e genocídio relacionados à crise que vive a população ianomâmi em Roraima.
O mesmo desalento nos atinge ao vermos as lindas águas do Tapajós, verdes como o mar, ficarem turvas em Alter do Chão – importante balneário do Pará atingido pelo garimpo ilegal, no ano passado.
Também o nosso Rio das Velhas morreu diante de nossos olhos, sem intervenção em seu socorro. Depois das chuvas, ele baixa deixando lixo plástico espalhado nas margens e cercanias, na rodovia que o margeia. Nada sobrevive nele.
Sem falar da guerra lá do outro lado do mundo, a questão dos refugiados e tantas pelejas mais, desde sempre causadas pelos homens. Sempre os homens... estragando a própria vida, a natureza. E o outro.
Hoje mesmo, a repórter narrava no rádio outra tragédia cotidiana: homem namorava há oito meses, começou a ser grosseiro e bruto com a mulher. Por isso ela terminou o namoro. Ele não aceitou, bateu nela e a roubou. A moça escapou com vida, podemos considerar que teve melhor sorte em comparação a tantas outras.
Penso que o livre arbítrio que permite ao homem liberdade, autonomia, autogoverno e independência é uma coisa muito boa, porém tem de saber usá-lo. Cotidianamente, dá margem a grandes desvios. Os que tiveram mais oportunidade na família de receber orientação, valores e afeto têm maiores chances de suportar a realidade.
Até aqueles carentes desses cuidados e de educação afetiva podem esperar a redenção do sofrimento e desamparo no outro, e a frustração e separação se tornam motivo de ódio deste outro, cuja posse permitia tudo. Nenhum relacionamento pode oferecer o que esperamos. Nem é eterno, porque somos únicos e não formamos o par onde dois se tornam um. E, no amor, se anseia o Um. Fusão impossível – neste caso, perder o outro é se perder.
O livre arbítrio, separado de uma ética e de um desejo do sujeito que lhe dê sentido para viver, permite crer que podemos tudo o que queremos. Mas não. Enquanto sujeitos, devemos saber nos posicionar diante de separações e perdas, mesmo se as detestamos.
Sem isso, encontraremos os maiores problemas. Seguiríamos a imperiosa vontade, o que dá na gana, não suportamos frustrações. E assim vemos o pequeno perverso polimorfo infantil (perverso porque o prazer não conhece ainda regras, moral e limites), conforme nos apontou Freud sobre a condição humana.
O perverso infante não aceita o que lhe traz perdas. A criança birrenta e incontrolável assume terríveis formas. É a infelicidade de muitos para o gozo de poucos.
O mundo animal, os bichos guiados pelo instinto, nascem sabendo o que fazer. Agem de acordo com a natureza, sem livre arbítrio para optar pelo pior, como nós. Não são cruéis quando contrariados ou por vaidade, como nós.
Dotados de linguagem, entendimento e sabedoria, fizemos coisas maravilhosas e também permitimos que este mesmo mundo seja um inferno para muitos. Temos em nós o bem e o mal.
No desamparo e vulnerabilidade em que vivemos, precisamos uns dos outros. Não controlamos a realidade, o tempo, as forças da natureza e nem a nós mesmos. O inconsciente é um desconhecido em nós.
Por isso, precisamos nos educar, nos pautar na ética, respeitar leis que são para todos. Nosso grande eu narcisista, somado ao livre arbítrio, atinge o outro. Não somos bons, temos tendência à perversidade, a preferir nosso gozo, a recusar frustrações, perdas e justas divisões. Nestes casos, não nos importamos com o outro, seja do mesmo mundo, do mesmo bairro, da mesma rua.