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Estado de Minas Em dia com a psicanálise

Glória, adeus!

A trajetória da admirável jornalista Glória Maria é exemplo de que quem sabe seguir seu desejo vai mais longe


12/02/2023 04:00 - atualizado 12/02/2023 07:56

Glória Maria
(foto: Flickr)


Uma mulher à frente de seu tempo. Mais que isso: quebrou barreiras e derrubou preconceitos como poucas. Pensem o que era ser mulher, preta, algumas décadas atrás e conquistar um lugar de destaque na mídia! Desbravadora, corajosa, com garra, alcançou altos patamares e grande respeitabilidade. É considerada um dos maiores símbolos do jornalismo brasileiro, a primeira repórter a realizar matérias ao vivo e em cores na televisão brasileira. Não é pouco.

Quando falo que ela quebrou preconceitos não me refiro apenas à cor de sua pele. Sim, teve, sem dúvida, de encarar o racismo e o fez bravamente. Barrada no Jockey Clube do Rio por causa da cor, no dia seguinte voltou com o namorado poderoso, marcando seu território e já avisando que não estava para brincadeira.

Conquistou seu território nas TVs do Brasil no coração dos brasileiros e brasileiras. Inovou o telejornalismo, profissão que amava, construindo uma história singular. 

Quem não conhece Glória Maria? Particularmente eram boas as viagens da repórter. Aventuras muitas vezes arriscadas e perigosas, pulou de noite na água gelada, andou quilômetros relatando e arfando pelo esforço para chegar lá, onde chegou, no topo. 

Acompanhamos inumeráveis momentos de sua vida profissional. No “Fantástico”, elegante, bela e vaidosa. Para ela o tempo não passava: sempre com uma carinha simpática e marota, inteligência no olhar e um sorriso que enfeitava o recado. 

Mas interessa aqui tecer um comentário, não sobre sua vida e seus  muitos amores, dentre eles duas filhas adotadas; mas sobre o desejo. Quem sabe seguir seu desejo vai mais longe. Não estou falando de fazer o que quer, o que dá vontade. Falo de um desejo, coisa maior. Rumo traçado.  

Sempre ressaltamos que, para a psicanálise, a questão do desejo é central. É a cura, digamos. Uma vez que o sujeito sabe pelo menos alguma coisa sobre seu desejo – porque, sendo este inconsciente, não se pode saber dele todo –, tem seu norte bem delineado no horizonte e para lá caminha sem vacilo, passo firme. 

Não que a vida seja sem problemas, isto não se pode admitir ou conceber. Seria alienação pura. Mas quem sabe sobre seu desejo vai com a certeza do que faz e isto é motivo de contentamento. A vida toma outro sentido e sabor quando as pessoas têm a coragem necessária para realizar desejos.

Um amigo tem esta capacidade enorme de fazer as coisas que deseja. E sempre lhe repito, na brincadeira, claro: Quando eu crescer quero ficar igual a você. Uma brincadeira séria. E as pessoas que se levam a sério precisam superar inibições para chegar onde precisam.

E, além disso, a covardia moral diante do desejo se traduz pela palavra temida e indesejada que a representa: depressão. A depressão não é senão o que acomete as pessoas que não têm coragem de bancar seu desejo, acreditando que podem abrir mão dele e relegá-lo ao último plano, sem consequências. Abrir mão do desejo pelo outro, ou por qualquer motivo, é assinar acordo com a tristeza.

A vida sem desejo não tem sentido. E, por outro lado, a vida com desejo traz brilho no olhar, calor no coração e alegria de viver.  Então por este motivo acredito que Glória partiu, se não feliz, bastante realizada, pois sua vida foi bela e um exemplo para muitos. 

Então, como não render nossas homenagens a esta mulher porreta que ela era? Por isto o que me vem na sua despedida é um Glória, adeus! Deixará saudades nos que a admiraram e invejas naqueles que não puderam fazer como ela. 

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