A Academia Mineira de Letras de Minas Gerais deu posse, no último dia 3, a Ailton Krenak como membro da confraria. Ailton, o primeiro indígena a assumir lugar oficial em uma academia de letras no Brasil.
Leia Mais
Leia a saudação de Maria Esther Maciel a Ailton Krenak, 'o xamã das letras'História inédita de Ailton Krenak é um dos destaques de revista mineira"O modo de funcionamento da humanidade entrou em crise", opina Ailton Krenak Silviano Santiago propõe o 'quarto golpe'Não precisamos de vírus para nos transformar em predadoresA Academia Mineira de Letras (AML), presidida pelo querido Rogerio Faria Tavares, dotado de especial habilidade com pessoas e palavras , nos fez sentir acolhidos e de fato participantes deste evento especial. Evento no sentido descrito pelo filósofo Alain Badiou, que causa um giro de perspectiva, não seremos mais como antes. Porque nos acorda, renova, desaliena.
Rogério evoca Bárbara Heliodora, a primeira na genealogia da cadeira 24. Foi aclamado e aplaudido ao concluir: “É tão bom estar com uma pessoa transparente e acolhedora com que queremos sempre ter o privilégio de conviver. Seja bem-vindo, Ailton Krenak! Demorou 500 anos, mas agora você está conosco!”
Este momento histórico inaugura um novo tempo. Tempo de escuta, tempo de consciência, de retificações. Ailton Krenak, militante da causa indígena desde 1987, quando pintou o rosto de preto com tinta de jenipapo. Entre seus muitos livros, temos “Ideias para adiar o fim do mundo” e “O amanhã não está à venda”.
No discurso de boas-vindas, a escritora Maria Esther Maciel fez jus ao trabalho e esforço deste homem, sempre na luta pelos direitos dos povos indígenas, reconhecido publicamente por sua obra, doutor honoris causa pela Universidade de Juiz de Fora e pela Universidade de Brasília. Krenak conquistou essas posições por sua capacidade intelectual e inteligência reunidas com simplicidade, humor e indignação diante dos incessantes crimes contra os povos originários, os verdadeiros donos do Brasil. O discurso terminou emocionado, evocando Caetano Veloso na música “Um índio”. Foi lindo.
Os krenaks sofreram terrivelmente com a tragédia provocada pelo rompimento da barragem da Samarco, em 2015, que envenenou o Rio Doce, considerado um avô de seu povo, e matou tudo o que ali vivia.
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, no posfácio do livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, escreveu: “Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos.”
Krenak, em seu discurso, questionou a humanidade e o verdadeiro sentido da palavra civilização, a escravização de pretos e a eliminação de índios por europeus brancos que se achavam donos do mundo. Enquanto ali pensávamos novas formas de civilidade possíveis, uma reserva era atacada e indígenas assassinados no Mato Grosso.
Joenia Wapichana, primeira mulher indígena a ocupar a presidência da Funai em 56 anos de história, atendia chamados, coordenando ações em tempo real. E ali coube a pergunta: a gente consegue ser feliz?
É urgente fazer justiça aos povos originários, arrancados de suas terras por colonizadores desde 1500, ainda hoje perseguidos, assassinados, invadidos por mentalidades ignóbeis do capitalismo selvagem, cujos mandantes se ocultam em altos escalões.
Fechando a belíssima noite, a instalação gastronômica criada por 13 chefs com iguarias requintadas e deliciosas. Algumas servidas no chão, sobre folhas de bananeira, encantaram os convivas!
Só podemos agradecer à Academia por nos proporcionar a alegria da inclusão de novas linguagens e de apontar a urgência desta escuta do que compõe a nossa múltipla sociedade.
Quem lá esteve compartilhou com orgulho o prazer de ver este momento inclusivo de comunhão fraternal se realizar. Que muitos de nós, hoje órfãos de Brasil, esperamos venha a ser o país de amanhã.
É mesmo isso o que queremos: exorcizar os demônios que nos assombram e estão sempre na contramão do desejo de impedir que forças hostis destruam o nosso mundo para acumular fortunas particulares.