O tratamento psicanalítico não é como os outros. É diferente porque não se chega com um sintoma e sai dali, como nas consultas médicas padrão, com uma receita nas mãos e seguindo as prescrições obtém-se a cura. A cura vem do remédio, do saber médico sobre a doença e mesmo sem saber como ela se processa, ou sem querer saber, o paciente se crê no direito aos efeitos de eficiência que vem do outro (saber médico) e do mercado farmacêutico (saber científico).
O paciente quer se curar. Ele deseja que esta combinação de saberes lhe traga o alívio do sintoma, da dor, que seu corpo se restabeleça. Se a cura não é alcançada, cabe ali uma queixa. Foi erro médico? O diagnóstico não foi correto? Tratamento errado? Nesses casos há insatisfação, reclamação, às vezes até um processo judicial no qual o direito do consumidor será exigido, pois o doente quer o resultado ou o efeito daquilo pelo que pagou.
No caso da psicanálise, essa lógica é subvertida. O sujeito interessado terá que ser ativo e participar de sua própria cura, trazendo suas palavras em associação livre com um mínimo de censura possível e sem planejamento prévio. Precisa relatar os sonhos, que são um recado do inconsciente a ser escutado. Dirá dos atos falhos que porventura tenha cometido, das trocas de palavras – quando se queria dizer uma coisa e saiu outra.
O sujeito participa do tratamento, mas o analista deve também ter sua responsabilidade na escuta, na condução, quando fala e do que fala. Se ele não escuta, não haverá análise, embora há quem diga que se fazem análises apesar do analista, mas aí já é outro assunto.
Isso porque o tratamento visa a um tipo de saber que não vem do exterior e não se compra. A cura virá do inconsciente, de um saber que não se sabe e, para desvendá-lo, pelo menos parcialmente, depende de o próprio sujeito trazê-lo. Ele é o único a ter acesso a seu inconsciente, que se apresenta de forma fragmentada, condensada e deformada, como são os sonhos. O conteúdo está fora da consciência e será tocado naquilo que surgir a cada sessão.
Neste caso, o psicanalista só poderá ter acesso a este saber que pertence ao sujeito, não está em livros e não há remédio que cure, se o próprio sujeito concordar com as regras do tratamento. Ele fala, o analista escuta e a cura virá de uma construção que se fará das fantasias do sujeito. Fala-se muito até chegar a uma fórmula mínima de onde poderemos perceber uma lógica particular, íntima, que cada um faz e que determina as repetições, o sofrimento e as atitudes daquele que a construiu como forma de lidar com sua realidade.
Cada um é único. Muito singular e individualíssimo, assim como cada um de nós tem um rosto único, uma digital única. Assim, em cada um existe uma lógica inconsciente, uma fantasia ou fantasma estrutural que nos enquadra, rege nossas ações. Este fantasma é como uma lente que, com sua cor, tonaliza o mundo de quem vê através dela.
É como se fosse uma etiqueta de roupa onde encontramos “Made in USA – 1976”, por exemplo. Cada um de nós tem seu selo carimbado na nuca, a gente não vê, mas ele aponta de onde viemos.
Isso não significa que seja fácil ou que todos consigam fazer análise. Nem que possamos oferecer garantias ao paciente ou prazo para o final do tratamento. Por que depende do que é trazido, e o saber está com o paciente. Não é um trabalho que atende à demanda mercadológica, onde tempo é dinheiro, tudo está à venda e parece uma urgência.
É um trabalho construído. E o analista tem sua cota de trabalho. Ele é responsável pela direção do tratamento, seu trabalho é a escuta, para além da história. Ele escuta o sofrimento que lhe trouxe o paciente. É um “escuta-dor”.