Pela segunda vez, este ano e na vida, fui honrada pelo convite do querido Rogério Faria Tavares, atual presidente da Academia Mineira de Letras (AML), para assistir à posse de um novo confrade, Silviano Santiago.
Não gosto de sermões, mas aprecio discursos proferidos com inteligência e genialidade. Foi um privilégio comparecer à solenidade acolhedora, conduzida com elegância e simpatia.
Silviano Santiago, mineiro de Formiga, juntou-se aos bons desde os anos 1950, quando integrou a juventude rebelde e vanguardista daquele tempo, interessado na arte, cultura, cinema, poesia e tudo o que compunha o movimento cultural daqueles anos. Ajudou a criar a revista Complemento, publicando o conto “Os velhos”, em 1954. Nunca parou.
Recebeu o prêmio Camões em 2022 e, como homenagem a seus 80 anos, uma edição especial da revista Suplemento Literário (Secretaria de Cultura/2017), organizada pelo amigo Wander Melo Miranda, foi dedicada integralmente à sua vida e obra. Miranda também proferiu o discurso de boas-vindas na posse.
Considerado um dos mais importantes intelectuais em atividade no Brasil, Silviano publicou dezenas de livros dedicados aos mais diversos ramos da literatura: romances, contos, poesia, ensaios e traduções, que em seu conjunto lhe renderam o Prêmio Governo de Minas Gerais em 2010. Doutor pela Sorbonne, lecionou nos Estados Unidos e Canadá. Levou seus conceitos sobrearte, crítica literária e literatura pelo mundo afora.
Ele nos oferece suas obras como demonstração de amor à vida e dos pequenos atos de loucura em sua tímida personalidade. Sua vida profissional e sua escrita nos brindaram com produção excepcional. “Menino sem passado”, “Mil rosas roubadas”, “Stella Manhattan”, “Ariano Suassuna” (antologia comentada), “Iracema” (edição comentada de José de Alencar) e “Keith Jarret no Blue Note” (improvisos de jazz, contos) são apenas uma parte bem reduzida do que escreveu e publicou.
Ao fim do discurso, o novo acadêmico recebeu calorosas e prolongadas palmas pelas belíssimas palavras com as quais comenta sua trajetória, os amigos que cruzaram seu caminho, faz menção aos que o antecederam na cadeira número 13, especialmente Xavier da Veiga e o embaixador Flecha de Lima.
Silviano Santiago se apresenta como nômade de volta a Minas, diante da cadeira onde assentar, ao lugar para descansar, um retorno desejado. Ao contrário do que disse Carlos Drummond de Andrade na poesia “E agora José?” –. “Quer ir para Minas/Minas não há mais/ e agora José?” –, Santiago responde: “Minas há”.
Como psicanalista, eu não poderia deixar de mencionar a evocação feita a Freud. No artigo “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”, aponta três grandes golpes narcísicos sofridos pelo homem. No golpe cosmológico, Copérnico retira a Terra do centro do universo e aponta o Sol como centro. O segundo golpe: Darwin. Com a teoria da evolução, demonstrou nossa ancestralidade aos macacos. O terceiro: a descoberta do inconsciente. O homem não é dono da própria casa. Há uma subjetividade ativa em nós e fora da consciência.
Silviano propõe o quarto golpe. A resposta da natureza à crise ambiental, evidenciando a insuficiência do homem para cuidar de sua morada. É incapaz de se deter, mesmo sabendo que por ganância depreda seu próprio solo, fonte da vida. Estamos diante de algo tão desejável quanto improvável: a retificação da ética humana.
Aos interessados em saber um pouco mais sobre este importante acadêmico, a AML disponibilizou na íntegra toda a solenidade no YouTube. Confira em https://youtu.be/U1nOaTHoPPw.