Ninguém é dono da verdade. Não se pode dizer toda a verdade, é o que aprendemos com a psicanálise. E a princípio nos parecem palavras meio estranhas e a gente se perguntava: como assim? Sem uma verdade, ficaremos perdidos e desnorteados. Não podemos destituir o valor da verdade para a vida cotidiana. Qual seria então nosso norte?
De fato, a verdade orienta em linhas gerais nossa conduta moral, nossa inserção na sociedade. Mas não podemos esquecer que somos almas errantes, e não seres de certeza, e nem sempre sabemos todas as respostas necessárias para solucionar impasses com os quais nos deparamos frequentemente.
Mesmo havendo uma verdade comum e factual que rege nossa comunidade, ainda assim, não mergulhamos completamente nela, fazemos críticas quando a certeza é de uma verdade única é rígida demais. Respeitamos, mas vivemos segundo nossas crenças e convicções. Dizer que não se pode dizer a verdade toda não nos livra de estar atentos a ela e não abre as portas da mentira nem nos autoriza a dizer qualquer coisa de qualquer modo.
Claro que existe uma verdade factual sobre a qual existe consenso no que diz respeito a coisas óbvias, preto no branco, legal e ilegal, regras sociais, ética e moral que acatamos. Recentemente, no Brasil, a política dividiu as opiniões causando muitas separações e afastamentos.
Porém, nossa forma de encarar “a verdade” não pode ser simplesmente objetiva. Existe uma realidade paralela que chamamos subjetiva. Aqui a coisa se desdobra, mostrando uma disjunção impossível de conciliar e intransponível.
Dois pontos de impossibilidade são claros. A verdade é para cada um, intimamente, o resultado de seu ponto de vista. Ângulo através do qual a pessoa percebe a realidade e a interpreta. Então, a verdade é concebida pela percepção e também pela interpretação. Fica claro que cada um vive e tem as suas.
Daí, já temos uma coisa complicada, pois cada um experimenta a realidade de modo particular e, neste caso, entendemos que existe uma verdade múltipla. Então, há uma verdade subjetiva, que é a ficção de cada um. Criada por cada um a partir do imaginário, do sentido que ele deu para o vivido. Ela é construída. Mesmo que não saibamos nada sobre isso.
Se a discrepância for de tal magnitude, que entre em choque com a realidade objetiva e comum, realmente isso nos obrigaria a tomar posições necessárias. Não existe uma verdade única, sabemos disso, porém, ao assistir ao vídeo do desfile de neonazistas em Paris, que aconteceu no mês passado e foi permitida pelas autoridades francesas, sem intervenções, não há como compactuar minimamente, dialogar com tal extremismo e com pessoas que expressam sem pudor retornar à prática pura da pulsão de morte. É obsceno.
E não porque eles não sabem o que fazem, ou o que o nazismo representou e suas consequências para a humanidade, mas porque, ainda sabendo, mesmo assim, desejam o extermínio dos diferentes, seja de outra raça, credo e gênero. Daí, vemos o perigo em crer numa verdade única.
Não podemos esquecer da descoberta de Freud que subverteu a posição do homem no mundo. Depois de Copérnico afirmar que a Terra não é o centro do universo e Darwin nos apontar com descendência comum aos macacos, Freud retirou o homem do lugar de donos da própria casa. Ele afirmou que mora em nós um estranho, o inconsciente, do qual nada ou quase nada sabemos e que tem seus efeitos em nós.
Nem mesmo sabemos tudo sobre nós próprios, como também frequentemente erramos e devemos retificar nossas posições sempre que alguma coisa for demonstrada contrária ao que até então pensávamos.
Assim, como não sabemos tudo, nem sobre nós mesmos, sugiro evitar batermos no peito cheios de razão, ignorando que ao nosso lado alguém com suas próprias razões pode ter razões que a própria razão desconhece.