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EM DIA COM A PSICANÁLISE

A eterna ilusão do amor perfeito

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Queremos ser amados. No mínimo, agradar, ser aceitos, reconhecidos. A demanda de amor vem do nascimento prematuro, em termos de sobrevivência, do ser humano. A criança depende totalmente de um adulto que cuide dela e isso se estende até a vida adulta, tornando-se, caso seja preocupação constante, um dos maiores aprisionamentos afetivos que se possa viver.





É bastante evidente que o adulto considerado “normal” queira ter vida saudável, conseguir autonomia para amar e trabalhar – uma vida comum. Estará entre acertar, ter alguns sucessos e errar, experimentando alguns fracassos.

Mesmo assim, sendo o que somos, as pessoas podem não nos querer. Na verdade, haverá as que não te querem, nem te incluem. Mas agora, quando adultos, sobrevivemos à rejeição, embora ainda temendo certo desamparo.

Nosso fantasma antigo ressurge. Mesmo que os motivos de não ser querido não sejam compreendidos, mesmo que sejam os mais aleatórios, tolos e banais. Nem sempre, nem todos gostam de você, simplesmente.

Não sou religiosa, porém, em um sermão relâmpago do Facebook, o padre Fábio de Melo, assertivo e analítico, defende o direito de ser. De ser feliz, de se dar chances. Ele diz que o fato de não nos quererem não nos faz menos do que somos – ao contrário, nos faz estar mais próximos de nós mesmos, porque somos a nossa melhor companhia. Podemos suportar frustrações e decepções se estivermos do nosso lado.





Quanto mais dependemos e esperamos do outro, mais distantes estaremos de nós mesmos. Quando nos encaixamos no que “o outro espera”, perdemos nosso brilho ou seremos sombras.

O amor é muito importante, mas nos torna vulneráveis, pois o não é uma garantia, é contingência. Acontece ou não, acaba, frustra, contraria, decepciona. Obriga-nos a enfrentar limites, impõe-nos a castração. Mas é também nosso bálsamo e nosso prazer.
 
Solidão alimentada pela tecnologia marca a vida de Theodore (Joaquin Phoenix), o escritor apaixonado pela voz do computador no filme 'Ela' (foto: Warner Bros/divulgação)
 

No filme “Ela” (2014), dirigido por Spike Jonze, Joaquin Phoenix interpreta o solitário escritor Theodore, que desenvolve relação de amor especial com um aplicativo de celular. Com a voz feminina programada para conversar e corresponder, intuitiva e sensivelmente, ao desejo do usuário. Ele se apaixona pela voz.
 
O celular a representa, ele passeia com sua amada, apresenta-lhe seu mundo e espera encontrá-la. Descobre tardiamente que “ela” é uma voz desencarnada, que responde a centenas de usuários. Uma grande decepção. Um engano do amor.





Recentemente, recebi de uma colega postagem instigante no Instagram. O site ofuturodascoisas prospecta as possíveis relações e escolhas. Ali está o post da americana Rosana Ramos. Depois de um relacionamento abusivo de três anos, ela se separou para ficar com Eren Kartal, criado no aplicativo de inteligência artificial Replika.

Rosana diz que ele tem sido importante para curar seus traumas de relações passadas e abrir portas para voltar a namorar. Mas avisa que Eren veio para ficar... Com ele, descarta a vulnerabilidade dos amantes, o amor torna-se constante e imperdível. Uma relação de amor sem dor – sem dúvida, sem risco. A máquina responde ao esperado.

A pergunta que não quer calar: será que nós, errantes, humanos, adotaremos este amor perfeito, sem dor e sentimentos, por covardia diante dos riscos de um amor imperfeito e de carne viva?