Semana passada, falei sobre a dificuldade nas relações amorosas, quando na contemporaneidade vivemos o imediatismo dos recursos tecnológicos avançados.
Realizamos a profecia de “Os Jetsons”, o desenho animado lançado na década de 1960. Um sucesso. A família mandava e vários serviços automatizados eram iniciados para atendê-la prontamente.
Robôs cuidavam de tudo. O trânsito aéreo era livre de engarrafamentos dos discos voadores. Andavam em esteiras rolantes, como nos aeroportos de hoje. A cidade era futurista, assim como as vestimentas e tudo mais. Quem não curtiu “Os Jetsons”, perdeu!. Eles ainda estão acessíveis na internet.
Hoje, o futuro ali projetado é realidade. Quase tudo está ao nosso alcance. Os robôs limpam a casa, aspirando e passando panos úmidos no chão. Alexa responde nossas dúvidas, atende pedidos como acender luzes, fechar portas e cortinas, ligar a TV no canal e no programa desejados. Carros elétricos estão acessíveis (em breve, sem motorista), esteiras rolantes nos ajudam a não perder voos.
E, finalmente, a inteligência artificial (IA) promete superar tudo isso, nos substituindo. Construindo textos a partir do tema que lhe é dado, fazendo programações e oferecendo avatares que nos atendem e correspondem sem decepções, como o caso da americana que se casou via IA e é feliz com Eren, o nome do bonito. Ele veio para ficar.
Tudo isso é fascinante, porém há controvérsias: seria um tiro no pé? Apenas comandaremos? Com a ordem certa, temos o que queremos. Assim nos afastamos, cada dia mais, do lado humano que nos leva a querer crer ou criar a ilusão de ser possível abandonar o encontro com a frustração, a castração. Viver na coletividade nos obriga a sacrificar parte da agressividade e a nos educar, admitindo limites e contrariedades.
Evidentemente, este projeto não será perfeito, pois o real continuará fazendo furo na perfeição toda, e não acredito que possamos nos enganar completamente. Será possível ser feliz sozinho tendo como parceiro apenas um avatar? Uma imagem que criamos, desde a fisionomia até a voz, e pronta para nos corresponder como programada a fazer?
As relações humanas e amorosas são imperfeitas. A realidade nos contraria os desejos. Adoecemos, temos defeitos, preconceitos, egoísmos, masoquismos e sadismos, manipulamos e mentimos.
Podemos nos desviar da dor existencial usando recursos avançados. Este é mais um engano, talvez o maior deles, ao qual devotamos crédito. Como o engano do amor.
A gente acredita no que precisa para amar. Projetamos nossos valores no outro. No cotidiano, nossas ilusões se desmoronam, porque desmentem os mitos criados: é a dura prova da realidade. E dela queremos fugir, utilizando recursos tecnológicos para sermos atendidos a tempo e a hora. Satisfação total ou seu dinheiro de volta.
Somos incapazes de viver um amor imperfeito, que perdoa, tolera faltas, é paciente. Amor finito, imperfeito. Amar nos faz vulneráveis, dependendo do outro, temendo perdê-lo ou apenas imaginando este risco. Não queremos ser humanos, porque dói. Queremos o prato feito, perfeito. Queremos ser deuses e não humanos.