Falar da família é tocar no cruzamento em que a objetividade e a afetividade se confundem, em que as necessidades e a demanda de amor se embolam num difícil tecido de fibras. Idealizamos a instituição família como se fosse sinônimo de harmonia, amizade, apoio afetivo e emocional. É assim em muitas famílias que conseguem atender às necessidades de cada membro, transmitindo e protegendo os ideais da cultura em que estamos inseridos e da qual assimilamos os valores.
Porém, é uma instituição humana, portanto, encontra limitações, apresenta falhas, furos e nunca sustentará ideais ou será perfeita. Nenhuma família oferece proteção completa ou é infalível em seus propósitos. É o que, numa análise, se percebe.
Toda mãe e todo pai erram porque são humanos. Mas há limites que se ultrapassados colocam em risco o futuro dos filhos. A convivência de pessoas em processos cruzados e paralelos, cada uma com singularidades e características particulares, é complexa.
Perceber as necessidades individuais e não tomar a família como um grupo de iguais é difícil, porém imprescindível. Há afinidades maiores e menores, há dificuldades e tendências individuais, além de contendas em todas as famílias.
A responsabilidade de formar pessoas aptas para a vida, para amar e trabalhar é grande e merece dedicação. Incentivo, amor, limites não podem faltar. Mas sempre temos a impressão de que estamos em falta. E estamos mesmo!
Como o cobertor curto, enquanto cobrimos a cabeça, os pés ficam de fora. O real impõe as verdades, doa a quem doer, e independentemente das nossas vontades – as coisas são o que são e não o que queríamos que fossem. Muitas doses de paciência são consumidas para mantermos a coesão do grupo familiar. E a negação vem atender as dificuldades de enfrentar conflitos que se prolongam.
Certos acontecimentos mudam a lógica de pensar as coisas e a vida. Alguns rompem a camada de estabilidade afetiva por ser ela frágil; às vezes, recoberta por um verniz que dá um brilho falseando o que ao fim e ao cabo esconde verdades. E na família acontecem nossos primeiros traumas. Eles são naturais na vida.
São marcas que ficam, quer se tenha consciência ou não. Tudo o que vivemos deixa marcas e cicatrizes que performam tudo o mais que seremos. E fazemos substituições primitivas, reemergimos.
Por exemplo, o desmame. Perdemos ali não o peito da mãe, mas um pedaço de nós, que considerávamos o peito extensão do próprio corpo. E, graças às mães de leite e depois às mamadeiras, alcançamos algum alento da necessidade e da angústia primordial.
Fato inegável é que durante a vida sucessivas fases são vividas e superadas, virão ganhos e perdas, e deles devemos fazer o luto para seguirmos. As oposições à independência podem parecer uma traição e até mesmo um desacato, mas são necessárias – para que sejamos fiéis como sujeitos que têm seus próprios desejos, independentemente daquilo que se espera de nós, desde sempre.
Assim, por trás da fina camada de sentimentos de proteção, constatamos que de ninguém podemos esperar tanto e é com os próprios pés que caminhamos. Isso nos obriga a afastamentos e separações bem-vindas, porque não há nada melhor do que andar nos trilhos do desejo.