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EM DIA COM A PSICANÁLISE

Escolher a educação

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“A gente percebe, no entanto, que a base da educação, isto é, certa ideia do que é preciso para fazer homens – (como se fosse a educação que os fizesse; na verdade, é bem certo que não é obrigatório que o homem seja educado; ele faz sua educação sozinho; seja como  for, ele se educa, já que é preciso que ele aprenda alguma coisa, que enfim pene um pouco), mas, enfim, os educadores, propriamente falando, são pessoas que pensam que podem ajudá-los, e até mesmo que haveria ao menos uma espécie de mínimo a dar para que os homens sejam homens, e que isto passa pela educação. Na verdade, eles não estão errados. É preciso, de fato, que haja certa educação para que os homens consigam suportar-se entre si.”






Encontrei este trecho curioso num dos livros de Lacan que chamamos de “A terceira”. O tema gira em torno do Real, não é a mesma coisa que a realidade, mas um conceito através do qual Lacan aponta o que escapa de nosso controle, o ido, o que virá, o que é, que não podemos controlar e que fura nossos esquemas ideais invariavelmente. Para suportá-lo devemos aceitar que nem tudo é ou será jamais como desejamos. Ou queremos. Ou segundo nossas vontades. Ponto.


Me interessou porque eu venho pensando bastante no fracasso da educação. Apesar de todos os esforços e de toda assimilação, a dureza da natureza humana resiste. O fracasso das campanhas de conscientização na luta maciça por extirpar do homem o antissocial (agressividade, violência, abuso, preconceito, racismo, machismo) e reforçar os ideais da cultura, para que seja possível a convivência, é visível.


Apesar de todos os nossos esforços pelas pessoas, por esclarecer, retirar a ignorância, trazê-las ao entendimento e civilizar pela vida coletiva, nos deparamos com falhas, crimes, violência, preconceito, falta de civilidade.


Afastar o que é antissocial e fere o respeito por nós próprios e pelo outro, entender que o mal está em cada um, assim como o bem, fazer escolhas que nos orientam, reconhecer que há perigo na esquina, que o medo nos protege, quem não o escuta, corre riscos maiores... tudo isto é importante, mas tem horas que parece que se dissolve e perde consistência.





De nada adianta pretender afastar o mal do coração e do olhar colocando nas mulheres a burca. Matar não resolve a insatisfação de uma demanda furiosa de satisfação completa. De saber que nem todo amor é eterno e nem toda separação é o fim. De afastar do homem a besta-fera que o faz estuprar mulheres e crianças, que o impele a matar o mais fraco e roubar o que deveria ser riqueza comum dada pela natureza. O homem só pode entender, compreender, aceitar sobre todas estas coisas e muito mais, se quiser se suportar. Se escolher  educar-se.


É fato que crescemos pelas mãos de nossos pais, ou cuidadores, ou não haveria sobrevida. Há falhas nos limites que nos deram... pois ninguém é perfeito.


Também passamos pelas mãos de educadores, escolas e obtivemos instrução do muito que nos deram. Porém, por mais que nos seja dado, nada garante que será recebido, ou melhor, que tenhamos incorporado. Que tenha sido parte acatado ou que possa ser rejeitado, recusado. Alguma coisa não aceita, recusada, não incorpora nosso ideal, seja do eu, seja da cultura. Jamais o ideal será completamente alcançado, ele está na ideia. O ideal é inalcançável na totalidade.


E é fato que nem tudo assimilamos e, se o fazemos, que uso faremos do que se torna parte de nosso eu? Esta falha é motivo para uma coisa intrigante que vemos acontecer no nosso tempo e em todos. Por mais que se ensine, se eduque e se peleje para fazer um homem, homem de bem, o mesmo vale para mulheres, não garante que assim seja.


Nós, os seres falantes do mundo, de livre arbítrio, escolhemos. Será este sempre nosso pior infortúnio ou nosso maior privilégio?