O dever do médico de informação ao paciente possui origem nos primórdios da medicina. Mas sua grande evolução ocorreu no século XX, quando a medicina passou a dialogar com o direito, devido sobretudo ao fenômeno da judicialização da saúde.
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Os conflitos entre os conselhos profissionais de classe da saúdeQuem são heróis no combate à pandemia? Os médicos ou o Congresso Nacional?Os limites éticos do marketing médicoMédico perde a vida, vítima da angústia e injustiçaSeguro de responsabilidade civil: o médico deve contratar? Julgamento do STJ sobre rol da ANS: Vidas, direitos, e bilhões em jogoO caso da estudante de medicina que ironizou a morte da pacienteNunca é demais lembrar que o maior motivador de ações contra médicos não são os erros profissionais, mas sim, a frustração da expectativa dos pacientes. E na atualidade, com as expectativas dos pacientes cada vez mais distorcidas da realidade, além do grande desgaste na relação médico-paciente, os conflitos têm ocorrido com cada vez mais frequência, gerando consequências para ambos os lados.
Neste sentido, cabe questionar: será que somente este “termo” cumpre com a obrigação de informar o paciente, em sua integralidade? Na mesma linha, será que o documento protege o médico em caso de eventuais queixas e processos? A resposta é negativa, para ambos.
Pois assim como o principal motivador dos processos não é o fator que se imagina (os erros, como acima exposto), o principal motivador das condenações em processos também não tem sido o chamado “erro médico”, mas sim, a negligência informacional.
Isto ocorre porque em inúmeros casos onde não há responsabilidade do profissional (ou sequer um mal resultado), mas somente consequências normais do procedimento ou tratamento proposto, a falta de informação tem sido suficiente para responsabilizar o médico, exatamente por não ter informado adequadamente o paciente, lhe tirando a oportunidade de decidir conscientemente. Sob este prisma, a mera existência de uma cicatriz em um procedimento cirúrgico incisivo (ou seja, algo óbvio) pode ser suficiente para condenar o profissional.
Obviamente, ocorrem casos em que o profissional de fato passa ao paciente todas as informações necessárias e cabíveis, mas não formaliza o ato. Neste caso, a falta de formalização do termo pode o condenar, por não lhe ser possível provar em juízo o cumprimento do dever.
Portanto, a necessidade é de uma verdadeira imersão informacional, onde o médico passa adequadamente todas as informações ao paciente, mas também utiliza adequadamente a documentação médica, a fim de formalizar o cumprimento da obrigação.
Por este motivo, definimos o “consentimento informado livre e esclarecido” como todo um comportamento (e não um mero ato) onde o paciente autoriza de forma voluntária e esclarecida, uma intervenção pelo médico. Neste processo, são informados ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento. Caso tudo isso não ocorra, há vício na liberdade de decisão, e no consentimento outorgado ao médico.
A própria terminologia utilizada nos diz muito: consentimento (estar de acordo) informado (acesso a informação ampla e clara) livre (liberdade de escolha e decisão) e esclarecido (pleno entendimento, decisão consciente).
Temos basicamente 3 fases bem definidas no processo de consentimento: a criação do contexto, o efetivo esclarecimento informacional, e por fim, a obtenção do consentimento. E o processo está situado em 3 momentos: antes, durante e depois do tratamento.
Obviamente, para perfeito cumprimento do dever de informação cabe a observância de uma série de outros detalhes, como o momento em que a informação é repassada (por exemplo, nunca antes de uma cirurgia, quando o paciente está sob forte emoção). Há ainda casos onde as informações são repassadas por outra pessoa (a secretária do médico), desconstruindo totalmente o processo informacional.
Podemos citar também os casos onde as informações são contraditórias ou equivocadas, o que é comum quando o médico utiliza suas redes sociais de maneira errada, oferecendo “resultados perfeitos, imediatos e indolores” que não condizem com a realidade. Nestes casos, o marketing médico mal conduzido descontrói totalmente o processo de informação ao paciente, prejudicando a ambas as partes.
Cumpre salientar que o art. 22 do código de ética médica prevê que “é vedado deixar de obter consentimento do paciente ou seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.” Além de infração ética, a justiça considera a falha no consentimento um ato de negligência, gerando graves consequências ao profissional.
Portanto, o consentimento não é um mero documento, mas sim uma verdadeira imersão informacional. O termo é importante, mas somente formaliza o processo. Não se trata de um mero protocolo, mas de um dever inarredável do médico, e seu principal instrumento para evitar condenações em demandas éticas e judiciais.
Vale lembrar que a linguagem empregada no termo deve ser clara e acessível. Sem o famoso “juridiquês”, e sem o excesso de informação (que gera desinformação). Os termos não devem ser genéricos, mas sim específicos para cada tipo de tratamento, e cada tipo de paciente (obesa, diabética, atleta, grávida, etc.).
A atuação do médico depende sempre da anuência do paciente. E não ter o consentimento, torna quase tudo questionável. Sem consentimento, mesmo as evoluções indesejadas mais comuns podem recair sobre a responsabilidade do médico.
- Renato Assis é advogado, especialista em Direito Médico e Odontológico há 15 anos, e conselheiro jurídico e científico da Anadem. É fundador e CEO do escritório que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o país. (renato@renatoassis.com.br)