No final de abril, ocorreu mais um caso de óbito decorrente de complicações após cirurgia plástica, em Belo Horizonte/MG. A paciente era uma jovem de apenas 29 anos que se submeteu a lipoaspiração e mamoplastia com prótese no dia 08/04/2022, sofrendo uma parada cardiorrespiratória. Após dias de internação, veio a óbito 15 dias depois.
Após a fatalidade, o médico e a clínica se manifestaram publicamente lamentando o ocorrido e informando que não houve qualquer desvio ou falha em suas condutas, e que a paciente foi adequadamente assistida em todos os momentos.
O laudo necropsial sequer foi liberado pelo Instituto Médico legal (IML) até o presente momento. A intercorrência ocorrida não é naturalmente associada a erro médico. O cirurgião responsável pelo caso é devidamente registrado junto ao CRM-MG e possui título de especialista em Cirurgia Plástica. E não foi divulgado qualquer dado que indique alguma má conduta médica, que possa ter gerado a intercorrência e o óbito da paciente.
Contudo, como de praxe em casos como este, a notícia tomou todas as manchetes de forma imediata, sendo tratada da pior forma possível em relação ao médico e a clínica (que nunca foram implicados em qualquer caso de má prática médica). Inúmeras reportagens foram publicadas, com ilações sobre a conduta do médico e da clínica, e acusações de negligência e “erro médico”. Chama a atenção ainda, o fato de o caso estar sendo investigado pela delegacia de homicídios da capital mineira.
O caso retrata a trágica situação em que a sociedade e os meios de comunicação colocam as partes envolvidas em qualquer fatalidade. Pois o linchamento social ocorre antes de qualquer análise técnica de provas, ou julgamento pela justiça. E no caso das fatalidades em cirurgias plásticas, a praxe é que o paciente seja logo indicado como vítima, e o médico como um terrível carrasco.
Obviamente, não questionamos aqui o papel de vítima da paciente em questão, assim como de outros pacientes em casos análogos. Seria absurdo culpar preliminarmente a própria paciente por sua parada cardiorrespiratória. Contudo, podemos afirmar o mesmo sobre o médico, até que se prove o contrário. Nem todas os eventos adversos são evitáveis, e tampouco imputáveis ao cirurgião responsável. A medicina não é uma ciência exata, e o médico nunca terá total domínio sobre o desfecho de uma cirurgia, ou qualquer outro tratamento.
É claro que existem muitos casos onde médicos erram, causando danos aos pacientes. Contudo, existem ainda mais casos de pacientes que negligenciam as orientações dos médicos, e agravam o próprio estado de saúde. E somente conseguimos os diferenciar com a devida investigação dos fatos, com a análise do prontuário médico (documento que engloba todo o histórico clínico), e de todos os demais registros existentes sobre o ocorrido.
Como todo procedimento médico invasivo (e até os não invasivos), a cirurgia plástica envolve muitos riscos, mesmo no caso de uma paciente jovem e saudável, e com a adoção de todas as medidas de precaução. E desde que estes riscos sejam devidamente informados ao paciente e este dê seu consentimento, é ele que assume os riscos de um eventual mal resultado (exceto quando este se dá por culpa do médico). Pois eventos adversos não evitáveis podem ocorrer em qualquer procedimento, e não são sinônimo de falhado médico.
Ao que tudo indica até o momento, no caso em tela o médico é tão vítima da intercorrência, quanto a paciente (obviamente, em proporções totalmente diferentes). Pois o médico já está pagando caro, por um erro que aparentemente não cometeu.
Precisamos refletir sobre a pressão estética que é exercida pela nossa sociedade, sobretudo sobre as mulheres. Em entrevista, a mãe da paciente afirmou: “Ela estava com o corpo lindo, mas essas meninas cismam (de fazer plástica)”. Trata-se de uma triste realidade, que afeta a meninas cada vez mais jovens.
Mas precisamos também refletir sobre a forma como estes casos são abordados. Tanto pela imprensa quanto pela própria sociedade, sobretudo nas redes sociais. O assassinato de reputações que via de regra ocorre, mesmo quando não há qualquer indicativo de culpa do médico,é absurdo e criminoso.
Pois embora nos tribunais e delegacias devidamente sejam observados os princípios do contraditório e ampla defesa, além da presunção de inocência do acusado, na internet (a praça pública da era moderna) a condenação é sumária, e o apedrejamento ocorre instantaneamente. Sem possibilidade de defesa, e com requintes de crueldade.
Se o médico foi ou não o responsável pela complicação e o óbito da paciente, só saberemos ao final das investigações, e após o devido processo legal. Condená-lo sumariamente é um erro. Se você apoia esta prática, muito cuidado. Pois amanhã, o acusado pode ser você.
Renato Assis é advogado, especialista em Direito Médico e Odontológico há 15 anos, e conselheiro jurídico e científico da ANADEM. É fundador e CEO do escritório que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o país.
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