O prisma jurídico da relação médico-paciente se modificou com o passar dos anos, assim como o de todas as demais relações sociais e profissionais. Atualmente a relação se encaixa em um padrão social e jurídico equivalente às demais relações profissionais, sendo desconsideradas as peculiaridades dos serviços de saúde, e a incidência de uma grande variedade de condições que os diferem dos demais.
Destacamos a aplicabilidade da Lei 8.078/90, também chamada de Código de Defesa do Consumidor (ou somente CDC). Embora discordemos de tal aplicação (por motivos óbvios), a doutrina e jurisprudência majoritárias a entendem como cabível, e o CDC é aplicado na maioria dos processos que tratam do tema, trazendo uma série de distorções à tradicional relação entre o dentista ou médico, e o paciente. Sobretudo quando aplica regras que foram criadas para equilibrar situações de extremo desequilíbrio, como a inversão do ônus da prova (ocasionando situações em que o paciente só precisa alegar, e o profissional deve sempre provar o contrário).
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Por estes e outros motivos, é essencial que os médicos e demais profissionais da saúde se adequem às necessidades atuais de sua profissão, abandonando a visão romântica e ultrapassada de uma relação com os pacientes que não existe mais. Nossos institutos jurídicos evoluíram rapidamente desde a redemocratização do país, e infelizmente foram politicamente conduzidos a uma superproteção da parte mais fraca em praticamente todas as relações jurídicas. Medida que embora claramente equivocada é a atualmente vigente, cabendo aos profissionais se proteger de tais distorções e injustiças, sob pena de pagarem caro pela teimosia ou negligência.
O contrato prevê os direitos e deveres de cada uma das partes, trazendo segurança jurídica a ambos, mas sobretudo ao médico e dentista. Pois quando não há contrato, a regra em caso de conflito é que os pacientes só tenham direitos, e aos profissionais da saúde, só restem deveres. Portanto, o contrato de prestação de serviços médicos e odontológicos não é somente importante, mas essencial.
Em linhas gerais, um contrato bem estruturado traz a identificação das partes (profissional e paciente), o objeto (tratamento contratado) e o valor dos honorários, assim como a forma de pagamento. Mas dadas as peculiaridades da relação, no caso dos profissionais da saúde, o conteúdo precisa ser ainda mais abrangente.
Em primeiro lugar, o contrato deve delimitar de forma clara e cristalina, o acordo entre as partes. Este ponto é vital, visto que limita as exigências do paciente somente ao que foi acordado. Pois atualmente os pacientes não cobram do médico só o tratamento contratado, mas o pleno e total atendimento às suas expectativas, que em muitos casos são inalcançáveis e irreais. Daí a importância de esclarecer este ponto, inclusive sobre o fato de a obrigação do profissional ser de meio, e não de resultado (salvo exceções).
Sem um contrato claro e objetivo indicando exatamente qual foi o acordo entre as partes, fica em aberto a possibilidade de que o paciente alegue que a promessa foi de total atendimento às suas expectativas. Com a aplicação do CDC e a inversão do ônus da prova, o resultado mais comum é a condenação do profissional em atender àquela expectativa, seja qual for.
São comuns também os casos em que o paciente contrata um procedimento mais acessível e limitado (mesmo tendo a opção de um mais oneroso e abrangente), e ao final, não satisfeito com o resultado alcançado, exige novos serviços, alegando que contratou algo superior, que não foi entregue. E caso o médico não tenha um contrato consistente, ele dificilmente provará o contrário (pois a palavra do paciente – ou consumidor - sempre pesa mais).
Cabe ainda citar o caso das cirurgias e tratamentos estéticos, pois como a justiça brasileira adotou para estes a regra da obrigação de resultado, é essencial que o médico ou dentista delimite em contrato qual foi o resultado proposto, sob pena de ver-se vinculado à expectativa do paciente (que além de inalcançável, pode variar com o tempo, conforme sua própria conveniência).
Outro ponto essencial é o valor, e a forma de pagamento. São comuns os casos em que os médicos e dentistas encontram grandes dificuldades para receber seus honorários, após a prestação dos serviços. Em muitos casos, as queixas e acusações dos pacientes ocorrem exatamente com este objetivo (obter a isenção, ou a devolução do valor). E na falta da segurança jurídica que o contrato proporciona, o profissional acaba cedendo, e abrindo mão de sua remuneração.
Com um contrato bem elaborado, além de ter segurança jurídica para garantir sua remuneração, o profissional pode até mesmo o protestar ou executar judicialmente caso não seja pago (como faria com um cheque bancário), pois o documento vale como título executivo extrajudicial.
O contrato pode prever ainda uma série de situações gerais, como a forma de comunicação entre as partes. E também as possibilidades, meios e condições de desistência do negócio e rescisão contratual. Ou seja, quanto mais completo e específico, maior a segurança do profissional, em qualquer situação.
O contrato reforça a confiança entre as partes. Delimita os direitos e deveres de cada um. E prevê as condições em que a relação começa, e termina. Ao lado do Termo de Consentimento, compõe a documentação inicial indispensável na relação entre os profissionais da saúde e os pacientes. E em caso de ação judicial contra o médico ou dentista, o contrato faz toda a diferença no resultado.
Portanto, caso ainda atue sem a formalização de um contrato adequado e específico para cada tipo de tratamento ou procedimento (sobretudo os cirúrgicos, e ainda mais os estéticos), procure imediatamente o advogado especialista de sua confiança.