Poucos meses antes das eleições de 2018, quando os sussurros vindos de Brasília especulavam sobre uma reviravolta no ‘caso Lula’, diante da iminente posse de Dias Toffoli, ex-advogado do PT e servidor fiel de José Dirceu e companhia, como o novo presidente do STF, um tuíte de um dos mais respeitados, prestigiados (e ainda influentes) generais do País, Eduardo Villas Boas, abalou as estruturas da pátria.
O oficial mandou o seguinte recado aos ministros do Supremo: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras, e quem está preocupado apenas com seus interesses pessoais. Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às missões institucionais".
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Bom, para quem sabe ler, um pingo é letra, e o general fez muito mais do que apenas ‘pingar’. Ele não só ameaçou de forma velada os ministros e, no limite, a própria democracia, como abriu as portas do inferno para atitudes como a sua. E com a ascensão dos militares ao poder, através das canetadas do ex-capitão e atual presidente da República, Jair Bolsonaro, o verdugo do Planalto, a confusão se estabeleceu de vez e hoje já não se distingue mais o que são as Forças Armadas e o que é o governo.
UMA ZORRA
Há milhares de militares da ativa e da reserva espalhados por todos os ministérios e secretarias. Há dezenas de oficiais graduados ocupando altos cargos e acumulando salários dobrados, além de benefícios inimagináveis aos ‘militares mortais’. E assim como há os, digamos, moderados e constitucionalistas, há os aloprados e sedentos por golpe de Estado, bem à feição do que deseja o próprio presidente da República.
O que começou como simples proximidade e afinidade, hoje assume ares de graves desvios constitucionais. Quando um Eduardo Pazuello, general da ativa, passa a ser agente político, com a chancela oficial do Alto Comando, que decidiu não puni-lo por sua participação em um ato público golpista e atentatório à saúde pública, o recado aos demais militares Brasil afora é simples: quem quiser se envolver na política civil, que fique à vontade.
Não é preciso ser muito inteligente para perceber o erro e a gravidade disso. Ora, se falássemos de homens e mulheres desarmados, sem ‘poder de polícia’, exercendo seus direitos políticos, beleza. Se militares não gozassem das prerrogativas constitucionais de que gozam, inclusive tribunal próprio, beleza. Se este pessoal não pilotasse aviões e tanques, beleza. Ocorre que, ao contrário, eles são a própria sociedade, o próprio Estado brasileiro, só que armados. Se um hipotético partido político das Forças Armadas resolvesse administrar o País, seguramente não iria disputar eleições, compreendem o perigo?
BOLSONARO E STF
Desde o início do governo Bolsonaro, as Forças Armadas vêm sendo rebaixadas pelo próprio devoto da cloroquina, seja através de nomeações desastrosas, como a do próprio Pazuello; seja através de exonerações públicas humilhantes, como a do general Santos Cruz; seja através de compras superfaturadas de picanha, leite condensado e chicletes; seja, por fim, pela promiscuidade reinante, onde um notório descumpridor da Constituição (Bolsonaro) coloca o Exército nacional na humilhante condição de ‘seu’.
Ao aceitar o inaceitável, o Alto Comando Militar não difere dos ministros do STF que, dia sim, outro também, ultrapassam os limites constitucionais e ou legislam ou simplesmente descumprem os ditames da Carta. Quando um Dias Toffoli, por exemplo, atua em benefício próprio, os quartéis se ouriçam. Até recentemente, as Forças Armadas detinham o monopólio da virtude, do puritanismo e da moral. A partir de ontem, contudo, o véu caiu, e a vestal já não ilude mais ninguém.
O Brasil nunca foi para amadores, é verdade. Mas desde a chegada do pai do senador das rachadinhas e da mansão de seis milhões de reais ao poder, nossas principais instituições, uma a uma, vem sendo corroídas de forma assustadora - não que este processo já não estivesse em curso. Porém, a velocidade e ferocidade desta corrosão - seja a partir de dentro ou de fora - é inédita para esta ainda frágil democracia, surgida após o fim da ditadura militar.