A minha melhor parte é aquela que emerge da dor. E a pior, também. A alegria com que vivo os bons momentos é inversamente proporcional à tristeza que me consome nos maus.
Sou um cara movido a paixões, a afetos. Aquela história de frio ou quente, jamais morno, foi feita para mim. Não consigo amar ou odiar sem carregar na tinta. E o custo de ser assim é tremendo. Só eu, os mais próximos e um certo Leonardo sabemos quanto.
Estou morando fora do País já há vários meses. Não sei quando volto, nem se volto ou como volto. E foi justamente para fugir da dor insuportável de um quarto e de uma cama vazios, que me mandei do Brasil (não só, para ser justo e honesto, mas sobretudo).
Mas as más notícias nos alcançam sem se importarem com a distância. E de perto ou de longe, a dor e a raiva que sinto de momentos injustos, momentos que não deveriam existir, momentos que atiram de uma vez, no lixo, as poucas crenças que ainda me restam, são exatamente iguais.
A morte é necessária. A morte é boa, até. Mas no momento certo. E sim! Há um bom momento para morrer. Como há tantos momentos errados. E que ninguém tente me convencer de que são os 'desígnios de Deus' que levam de forma prematura e estúpida os que amamos e que jamais fizeram por merecer sofrer.
Estou em Nova Iorque, e participando das homenagens aos mortos de 11 de setembro de 2001, me peguei olhando os rostos de jovens e velhos bombeiros - filhos, pais e avós - que estavam sentados em seus 'escritórios' (quartéis) quando foram chamados a salvar vidas, mas que, ao contrário, não salvaram ninguém e ainda perderam as próprias.
Se há um Deus por trás de algo assim, não o quero para mim. Se há um Deus por trás da doença e da morte de gente que só fez melhorar o mundo, não o quero para mim. Se há um Deus que deixa órfã uma criaturinha maravilhosa de 4 anos, não o quero para mim. O Deus que quero e aceito é outro. E passa longe disso tudo.
Muito mais que um amigo, que um afeto, hoje eu perdi aquele que me trouxe o que tenho de mais precioso na vida; a minha filha. E será nela que encontrarei o meu amigo todos os dias daqui para frente. Como será na fotografia que guardo comigo, ao lado de um outro irmão da vida, juntos, sorrindo, celebrando um tempo bom que passou.
Daqui a três dias é Yom Kipur, o dia do perdão. A data mais importante dos judeus. Selmo era judeu. Eu e Deus teremos muito o que conversar. Se há algo que ando precisando - e muito! - é de uma boa conversa que me apazigue a incompreensão e a raiva de viver em um mundo que, no sábado, me atira no fundo do poço; no domingo, me eleva ao Paraíso; e na segunda-feira, me rouba um amigo.
Vá para onde vão os melhores, Selmo. E de lá veja oFlamengo ser vice-campeão brasileiro este ano, pois o título, dessa vez, será do meu Galo! E veja seus filhos crescerem e serem felizes. Veja sua amada se realizar na arte de ser, e será!, a melhor mãe do mundo. Veja seus amigos brindarem a sua memória a cada excepcional vinho aberto.
Na boa. Quem inventou a frase "ninguém disse que seria fácil", estava coberto de razão. Só não precisava ser tão difícil assim. Que falta você fará, meu amigo.