Nenhuma torcida no Brasil é mais intensa que a atleticana. E nenhuma torcida no planeta é mais bipolar. No Galo, a tal passagem bíblica, ‘seja quente ou seja frio; não seja morno que te vomito’ (ou algo próximo disso), encontra profundo significado. Não à toa, de jogadores a dirigentes, passando por treinadores, os nomes que mais marcaram história no alvinegro das Gerais são de pessoas ‘calientes’.
Reinaldo, por exemplo, e seu politicamente proibido jeito de ser, em plena ditadura militar. Ou Éder, tão explosivo na personalidade quanto na canhota atômica. Dadá, Guilherme, Tardelli, Ronaldinho, Pratto… Hulk! Sei que faltam dúzias de nomes aqui, mas é o que a memória me permite neste momento. Ah, claro, Cuca, Levir e Sampaoli, treinadores sempre em ebulição, e até mesmo o ex-presidente Kalil.
Com a recente saída de Cuca, nomes de técnicos portugueses, mais parecidos com professores de Harvard, surgiram como primeiras opções. Tenho certeza que os caras são excelentes, não só pelos resultados que apresentam mundo afora, mas pela qualidade de quem hoje decide as coisas no Galo; ninguém ali é bobo ou rasga dinheiro. Porém, sinceramente, nunca me despertaram paixão.
Ao ouvir o nome de Antonio Mohamed como novo técnico, me perguntei: quem diabos é esse sujeito? Pô, era melhor o Celso ‘Deus me Livre’ Roth. Mas tão logo ouvi falar ‘el turco’, confesso que um frio me percorreu a espinha, já calejada por 45 anos de arquibancada. Me lembrei: esse cara era o treinador do Tijuana em 2013. PQP!! Foi o sujeito que fez o Riascos jogar bola como joga nosso Kenaldinho.
LIBERTADORES
Em 2013, abandonei tudo o que existia na minha vida - inclusive mulher, mãe e filha - e mergulhei fundo, de corpo e alma, na Libertadores. Eu, alguns amigos e meus irmãos atleticanos percorremos dezenas de milhares de quilômetros em busca de um sonho inimaginável. Até para Tijuana nós fomos! E foi lá que ouvi, pela primeira vez, o nome do atual treinador do nosso Galão querido.
O Atlético foi massacrado pelos Xolos. Não fossem Tardelli e Luan, a cerveja quente como sopa de inverno e dois quilos de tacos teriam me feito parar no hospital mais próximo, pois a indigestão seria certa. Mas o empate, com dois gols fora de casa, no último minuto do jogo, levou a mim e meu irmão direto para as tequilas da glória, ainda que nem um pouco tranquilos quanto ao jogo da volta.
Naquele inesquecível 30 de maio de 2013, ao chegar nas imediações do Indepa e ao me deparar com aquelas máscaras pé-frias, pressenti o que me esperava - só não imaginei os requintes de crueldade. El Turco e o Tijuana amassaram o Atlético outra vez. Um time horroroso daqueles quase convenceu Papai do Céu a continuar nos punindo, como impiedosamente vinha fazendo há 40 anos.
Riascos parecia o Pelé. Ronaldinho era marcado por, sei lá, dois ou três rottweilers, que faziam nossos pitbulls, Pierre e Donizete, parecerem chiuauas. Tardelli não pegava na bola e Bernard, coitado, parecia um guri de 10 anos, jogando bola com adolescentes de 18. A qualidade técnica pesou, o astral pesou, Deus (finalmente!!) pesou, a canhota do santo pesou e assim seguimos para o título libertador.
EL TURCO
Duas personagens me marcaram naqueles jogos: o maldito juiz e El Turco. Do árbitro, eu e meus amigos ‘cuidamos’ no ônibus que nos levou de um avião ao outro, em Buenos Aires, durante nossa escala rumo a Rosário, para o jogo da semifinal contra o Newell 's. Infernizamos a vida do cidadão, hehe. E o treinador mexicano - agora sei que é argentino -, nunca mais ouvira falar.
Minha raiva dele foi no segundo gol do Tijuana; gol de um sujeito com o cabelo esquisito. El Turco correu em direção à sua torcida, como um louco, e com razão, pois dois a zero, àquela altura, era espetacular, e comemorou meio que dançando e pulando ao mesmo tempo. No ano seguinte, com Mano Menezes, descobrimos que dancinha contra o Galo, perdendo de dois a zero, não é bom negócio, não.
Como eu disse, nunca mais ouvira falar desse ex-FDP. E até ‘realizar’ quem era o tal ‘el turco’, o novo treinador do Galo, proferi milhões de palavrões mentais. Na boa. Entre engomadinhos portugueses, por mais brilhantes que fossem, e um argentino guerreiro, vibrante à beira do campo, ainda que não tão capacitado, ‘academicamente’ falando, fico com a segunda opção. Estou feliz com a contratação.
Treinadores assim, no Galo, são uma espécie de fio condutor entre a Massa e os jogadores. Obviamente que, sem elenco, nem milagreiro consegue fazer um time jogar. Com um ótimo elenco e torcida vibrando na mesma sintonia, vimos várias vezes, ao longo da nossa centenária e gloriosa história, temporadas fantásticas. Creio que será assim em 2022, com El Turco (agora) do nosso lado.
¡Sea bienvenido Tony! Prepare-se para viver sua maior aventura. Fique sabendo: aqui você entra treinador, e sai torcedor. Tamo junto, Turco!