Jornal Estado de Minas

OPINIÃO SEM MEDO

BH Shopping: ricos do Belvedere vivem a realidade das periferias e favelas

Há décadas a violência urbana no País ultrapassou todos os limites do aceitável. A cada novo evento trágico ou impactante, nossas autoridades correm para as TVs, as rádios e os jornais e, em tom severo, anunciam o fim da ‘farra’ dos bandidos e extremo rigor dali em diante. Porém, poucas semanas depois, tudo volta ao normal.





Alguém disse, certa vez, que ‘no Brasil o pobre morre de fome e o rico morre de medo’. Pois é. Quando o garoto João Hélio, de apenas seis anos, em 2007, foi arrastado pelas ruas e morto durante o roubo do carro em que estava, no Rio de Janeiro, ouviu-se o tal ‘basta’ que descrevi acima. Pergunto: quinze anos depois, estamos melhores ou piores?

Antes disso, em 2003, um estupro seguido de morte, em Embu, na grande São Paulo, vitimou uma jovem de dezesseis anos e seu namorado de dezenove. A comoção parecia prometer dias melhores à sociedade e piores aos Champinhas da vida; ledo engano. Dias atrás, um rapaz foi executado com um tiro na cabeça por causa de um celular.


DNA BRASUCA


No Brasil, cerca de sessenta mil assassinatos ocorrem todos os anos. Apenas 3% dos criminosos são descobertos, processados e condenados. Por aqui, mata-se por tudo: por briga de trânsito, por torcida de futebol, por ciúmes, por tráfico, por roubo, por política. A violência faz parte do DNA do brasileiro e é aceita pela sociedade resignada.

A população elege parlamentares indispostos a endurecer as penas. Elege chefes de executivos indispostos a nomear juízes e ministros rigorosos. Conta com igrejas, ONGs e partidos políticos sempre preocupados com os tais direitos humanos (dos bandidos). Nós, cidadãos, escolhemos não permitir que o Estado nos puna com o devido e máximo rigor.





Sim, aqui e acolá, reacionários e extremistas pedem, não justiça e severidade com o crime, mas justiçamento e pena de morte. Quando decapitam cabeças em Pedrinhas, no Maranhão, dentro de um presídio sob a guarda do Estado, comemora-se como um título de Copa do Mundo, sem se lembrar que, dessa forma, investe-se em um Estado de Exceção.


TOLERÂNCIA ZERO

Particularmente, sou a favor de penas severas para pequenos crimes; penas muito severas para crimes leves; penas extremamente severas para crimes graves; penas de prisão perpétua e de morte para crimes contra a vida e hediondos. E crimes do ‘colarinho branco’ e contra o patrimônio público devem entrar na roda; chega de impunidade no andar de cima.

Porém, sei que meu desejo jamais será realizado. Jair Bolsonaro, o verdugo do Planalto, que prometeu combater a corrupção, dizimou a Lava Jato e enterrou as propostas de combate ao crime organizado; inclusive a prisão após condenação em segunda instância. Lula da Silva, o meliante de São Bernardo, acredita ser, digamos, justo o roubo de celular.





Aliás, nossa Suprema Corte, justamente de onde partem os piores sinais para a sociedade, proibiu prisão para furtos de smartphones e crimes de menor poder ofensivo e impacto econômico - pensando bem, até que é justo, já que a Casa praticamente proíbe prisão para furtos bilionários de dinheiro público, principalmente a partir de políticos poderosos.


VALE TUDO

Por aqui, a liberdade para delinquir é ampla, geral e irrestrita. Dirigiu bêbado e matou? Tudo bem. A picanha tá cara? Roube uma; se for pego, nada de mais. Tá meio taradão e sem namorada? Ora, tem deputado apalpando os seios de uma colega, dentro da Assembleia Legislativa de São Paulo e… segue o jogo! Ah, assalte a Petrobras e eleja-se presidente.

A garotada, coitada, sofre à beça. Se são ricos, perdem relógios, celulares, tênis, mochilas. Se são pobres, bem, aí perdem a vida. Os jovens, idem. São assaltados nos carros, nos ônibus e metrôs. Os adultos e idosos… estes já nem ousam mais sair tanto assim de casa, e apenas rezam a Deus, esperando a volta dos filhos após a faculdade e as festas.





Por falar em pobres, sobretudo aqueles que moram nas favelas e periferias das grandes cidades, imagine o que é viver, dia e noite, à mercê do anjo da morte, que pode chegar através de um assalto no ponto do ônibus; de um tiroteio no bar; de uma bala perdida na testa; de um policial descontrolado; de um miliciano ou justiceiro encomendado.


BELZONTE NA MIRA

Imaginou? Não? Bem, centenas de belo horizontinos ricos - ou de classe média - puderam experimentar um pouco do cotidiano dessa gente pobre que citei acima. Neste sábado (7/5), véspera do dia das mães, o BH Shopping, tradicional centro de compras da cidade, situado no Belvedere, bairro de ricos e milionários da cidade, assistiu a uma cena digna de cinema. 

Bandidos fortemente armados invadiram o ‘mall’ e limparam uma luxuosa joalheria, disparando tiros para o alto, incendiando carros nas ruas ao redor, enfim, protagonizando uma espécie de cangaço urbano moderno. Durante o assalto, as pessoas se atiravam no chão, se escondiam sob as mesas, corriam para os banheiros, rezavam e choravam.





Durante o ‘evento’, eu estava no estádio Independência, passando raiva com o Galo, presenciando uma ‘vítima da sociedade’ destruir um bebedouro. Minha filha adloescente estava no Mineirão, em um show, ao lado do amigo que teve o celular roubado por um ‘jovem carente’. Reparem: é o cotidiano da terceira maior região metropolitana do Brasil.


FAVELAS E PERIFERIA

Repito: imagine este mesmo ‘cotidiano’ nas favelas e nos bairros pobres das periferias das grandes cidades. Deitar no chão, com as mãos na cabeça; se esconder sob a mesa ou a cama; correr para uma loja ou um bar; entregar a bolsa em um ponto de ônibus; ser chantageado, extorquido e apanhar de traficantes - e de maus policiais. Pura rotina!

Onde o Estado se ausenta ou se omite, o crime impera. E quando impera, às vezes, ultrapassa fronteiras. E quando ultrapassa, choca quem não conhece, ou finge não conhecer - pois mais cômodo - a vida real do Brasil real, algo muito diferente e distante dos condomínios horizontais e verticais de luxo, arborizados, com suas guaritas de segurança.

Quem se encontrava no BH Shopping durante o assalto pôde, infelizmente, viver de perto as agruras dos pobres do País. Pôde sentir um pouquinho do que sentem os nossos funcionários, nossos seguranças, nossos garçons. Espero que, a despeito do infortúnio e do trauma, ao menos tenha sido - um pouquinho! - elucidativo, e os motive a ser melhores.





ENCERRO

Não. Eu não acho que é preciso adoecer, passar por maus momentos, experimentar a quase-morte para que alguém cresça, evolua espiritualmente, comece a olhar o outro de forma mais gentil, empática. Mas é inegável a transformação que momentos assim podem trazer a quem está atento, sensível ao outro e ao redor. É a isso que me refiro acima.

A elite brasileira - da qual faço parte - precisa despertar! Não dá para morar numa cobertura no Carmo-Sion e fechar os olhos para o Morro do Papagaio. Não dá para morar em casa de condomínio em Nova Lima e fechar os olhos para a ‘verdadeira’ Nova Lima, Sobretudo, não dá para morar em Brasília e fechar os olhos para o Brasil. Simplesmente não dá mais.

O assunto do Shopping vai pautar programas na imprensa, debates políticos, conversas de boteco e, como sempre, irá sumir sem deixar vestígios ou lições. Mais uma vez não iremos aprender nada nem esquecer nada. Seguiremos com medo de morrer, enquanto os pobres seguirão morrendo de fome. Simples assim. Triste assim. Eternamente assim.