Conversando com amigos queridos ontem, reparei nossa dificuldade em discutir assuntos que não nos interessam. Alguém disse: 'o Cruzeiro se classificou (Copa do Brasil), vocês viram?'. Eu: 'foda-se'. O outro: 'contra quem?'. O quarto: 'nem quero saber'.
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Bolsonaro volta a comparar negros com animais de corte; há quem ache graçaApós desdenhar mortes por COVID, Bolsonaro minimiza fome dos brasileirosSe estiver doente ou necessitado, ligue para Lula ou Bolsonaro, seu trouxaPor que bato tanto nos políticos? Porque não tenho sangue de barata, uéEu me armo, tu te armas, um dia nos mataremos todos, e a pólvora venceráAprendam: consciência social e empatia não são propriedades da esquerdaSou da geração da imprensa tradicional (com erros e acertos; méritos e deméritos): jornal, rádio, TV. Crescemos não tendo escolha. Ou líamos, ouvíamos e assistíamos a tudo - mesmo o que não gostávamos ou não nos interessava -, ou seríamos ignorantes gerais.
Portanto, ao ler o Diário da Tarde de segunda-feira e o caderno de esportes do Estado de Minas, no resto da semana, o atleticano conhecia de cor e salteado os resultados, a tabela e a escalação de todos os times do País, e assim entendia melhor o futebol brasileiro.
POLÍTICA
Na política se dava a mesma coisa. Quem, hoje em dia, conhece mais do que dois ou três políticos (um que gosta, um que odeia e outro que ouviu falar por aí)? Sim, ninguém se aprofunda nos bons e maus valores da política, por isso votamos tão mal.
Na primeira eleição após a ditadura militar, em 1989, havia dezenas de candidatos e conhecíamos quase todos. Atualmente, só queremos saber do nosso escolhido e de um ou outro rival, deixando de prestar atenção em outras propostas e pessoas.
Como não havia variedade de informação, todos acabavam conhecendo um pouco de tudo e de todos. Hoje, há nicho ou segmento para qualquer coisa, o que foca a procura e o interesse, mas desprestigia os demais conteúdos e limita o conhecimento geral.
PICANHA
Por exemplo: alguém digita 'receita de picanha' no Google e... bingo! Terá imediatamente ao seu dispor, por ordem de patrocínio, claro, e não de qualidade, mil e uma formas de assar, fritar, cozinhar, fatiar, temperar, misturar, enfim, comer sua picanha.
A pessoa acima (com muita grana, né, porque picanha não é mais para qualquer um), sem dúvida, com alguma habilidade e paciência, irá fazer a melhor refeição possível mesmo sem ser uma 'chef', mas resumiu suas possibilidades àquele conteúdo.
Com um pouco menos de foco, poderia ter aprendido sobre chorizo, filé mignon, alcatra e até mesmo lasanha, feijoada e strogonoff. O que estou tentando mostrar é a nossa ligeireza e atenção exclusivas apenas ao que nos interessa, sem observar ao redor.
VISEIRA
As pessoas não leem mais notícias, mas seguem aqueles jornalistas que confiam, e então deixam de conhecer outros fatos e versões, tão necessários para a formação de um correto e mais preciso juízo de valor. Conhecer o sabor das massas e das maçãs, entendem?
Só nos informamos sobre o que interessa, com quem interessa e discutimos entre iguais - brigamos com diferentes! Claro, afinal, como discutir civilizadamente sobre algo que não fazemos a menor ideia e não temos o menor interesse em conhecer; apenas combater?
E quanto mais nos afundamos nesse processo, mais bolhas construímos. E quanto mais bolhas construímos, mais nos isolamos do mundo real, da vida que existe lá fora e dessa experiência monumental (e ligeira!) que é passar por este 'maravilhoso mundo de merda'.
As bolhas - sejam quais forem - não nos agregam; nos segregam! E nos isolam! E nos tornam reativos e violentos com o estranho, com o diferente, tornando o dia a dia mais pobre, resumido, estupidamente limitado e palco de puras ignorância e selvageria.