O caso da garotinha de Santa Catarina, estuprada dentro da própria casa, que engravidou e teve negado por uma juíza seu direito constitucionalmente garantido ao aborto, chocou o País e percorreu os noticiários mundo afora.
A despeito da gravidade e do choque emocional que a história causou, estamos diante da ínfima ponta de um iceberg das sombras, onde esse tipo de aberração não apenas é trivial como, em muitos casos, tratado como algo comum.
Em diversas regiões do Brasil, sobretudo Norte e Nordeste, principalmente em cidades menores do interior, não é anormal relações sexuais entre adultos e adolescentes com menos de 18 anos. Aliás, entre adultos e menores de 14 anos, o que configura, independentemente da situação, estupro.
Sexo com crianças é uma das chagas que o Brasil, após 500 anos de vida, ainda não conseguiu curar. Apenas em 2021, dados oficiais do SUS revelam que 17 mil garotas com menos de 14 anos deram à luz. Notem: são dados oficiais! Imaginem o número de crianças violentadas, que não é conhecido pelas autoridades.
Por falar nisso, na subnotificação dos crimes, chega a dar calafrios imaginar o número de nascimentos fora da rede hospitalar, como também o número de abortos expontâneos - ou não. Muito mais que um caso de saúde pública ou violência contra a mulheres, estamos, aqui, falando de verdadeira calamidade social.
Quando digo que vivemos em uma espécie de selva, me acusam de ser exagerado, antipatriota, de torcer contra o Brasil, de ter complexo de vira-latas e outras besteiras. Ontem, eu assisti a uma matéria na TV, mostrando pessoas sendo agredidas e assaltadas nas calçadas de Ipanema, no Rio de Janeiro.
Bem, estamos falando da segunda maior cidade do País e um dos cartões-postais do mundo. Estamos falando de um dos dois ou três bairros mais nobres da capital fluminense. Se ser espancado, enxergar uma arma a um palmo do nariz e perder celular, relógio, jóias, etc. não configura viver em uma selva, eu não sei o que, então, poderia configurar.
Muito mais que um povo - ainda que a minoria, claro! - violento, desordeiro, imoral (no mínimo, amoral), egoísta, corrupto e verdadeiramente incapaz de se organizar de modo urbano e civilizado, somos o retrato de um sistema criado e articulado dentro do Estado (reflexo de nós mesmos, diga-se), que simplesmente liga o ‘foda-se’ para casos assim.
Não, não acredito no Brasil e há muito deixei de acreditar.
Infelizmente. E a cada criança estuprada; a cada magistrado promovido ou aposentado compulsoriamente após grave desserviço; a cada reeleição de um político notoriamente corrupto; a cada violência policial; a cada assalto ou assassinato, enfim, a cada ‘dia a dia’ de Banânia, não só acredito menos ainda como alimento meu ‘cantinho do ódio’ num fígado cada vez mais carcomido pela realidade.