Jornal Estado de Minas

RICARDO KERTZMAN

Pautado por Bolsonaro, debate nacional trafega entre cloroquina e Venezuela



Por Ricardo Kertzman 

Durante décadas, senão séculos, o debate político nacional se deu exclusivamente dentro da chamada elite, pois inatingível às camadas externas das academias, parlamentos, entidades empresariais, enfim, do “mainstream” dos três poderes e apaniguados.





A um que a sociedade, por pobreza, falta de escolaridade ou mera preguiça, jamais se interessou por política. Apolitizados, pois, o povo unido sempre foi vencido. Um País de castas e privilégios se apoderou de 40% da riqueza nacional, e aí está o resultado.

A dois que o poder - ao contrário do que reza a lenda popular - sempre emanou de cima para baixo, desde a Coroa até o Centrão atual. A diferença contemporânea se dá pela politização meramente digital de dezenas de milhões de eleitores.

A minha dúvida é: melhor um país apolitizado ou um país politizado tão precariamente por dogmas ideológicos ultrapassados, memes e fake news de redes sociais? Quem melhor representaria o povo no Congresso Nacional: Macaco Tião ou General Pazuello?

BANANA x CLOROQUINA


O símio, que jogava cocô nos visitantes do jardim zoológico do Rio de Janeiro, se tornou um fenômeno eleitoral nas eleições de 1988, para a capital fluminense, e obteve mais de 400 mil votos. Este ano, Eduardo Pazuello, o general da cloroquina, obteve mais de 200 mil.





Tião era a essência da apolitização, do “foda-se”, do “não quero nem saber”. O general é a essência das bolhas digitais do bolsonarismo, movimento espetacularmente grandioso (no número) e estúpido (nas ideias e ideais). Os 700 mil mortos por covid-19 provam isso.

Há pelo menos quatro, quase cinco anos, o Brasil não discute economia, desigualdade social ou qualquer outro tema verdadeiramente significativo. O País se aprisionou sob uma interminável briga de botequim de baixo meretrício entre bêbados decadentes.

Idiotas de todos os matizes ideológicos, religiosos e étnicos, independentemente de classe social, digladiam-se em grupos de WhatsApp por causa de tratamento precoce, cloroquina, comunistas (quais, onde, meu Deus?) e, sim!, venezuelização do Brasil.






BANQUEIROS COMUNISTAS


Foi tudo, infelizmente, o que a politização digital nos trouxe. Para alguns, Alckmin, Meirelles, Pérsio Arida e até Pedro Malan, que, por puro desespero e falta de opção, apoiam a candidatura do meliante de São Bernardo, irão transformar o Brasil em Venezuela.

E não adianta explicar que, por exemplo, São Paulo (provavelmente, e torço para isto), Rio de Janeiro e Minas Gerais serão governados por opositores do lulopetismo. Se o sapo barbudo ganhar, juram os bolsominions, o Brasil se tornará a Venezuela e pronto!

Sim, eu sei que do lado oposto melhor sorte não nos assiste. Não é à toa que escolhi o meu lado: nenhum dos dois! A turma da esquerda mais aguerrida insiste no genocídio (que não ocorreu), no facismo (que está a caminho) e até na tese de que não houve facada.

Semana passada, nas redes, a disputa era entre o satanismo de Lula e o canibalismo do amigão do Queiroz. Hoje, a treta se dá entre o apoio do Marcola ao chefão do PT e do ex-goleiro Bruno, ao patriarca do clã das rachadinhas e das mansões em dinheiro vivo.





RUMO AO CAOS


A renovação na política nacional é muito pequena ou quase nenhuma. Pior é que o pouco, ou quando ocorre, piora o que já era péssimo. Nestas eleições, por exemplo, saíram velharias improdutivas e entraram reacionários de toda a sorte e espécie.

O bolsonarismo vem praticando o modelo, fielmente, em curso em diversos países autocráticos, como Hungria, Turquia, Rússia, Polônia e, sim, ulalá!, Venezuela. O mito conspirou contra absolutamente todas as instituições democráticas desde que assumiu.

Conspirou contra o Congresso até que fechou acordo: R$ 20 bilhões em emendas secretas, Arthur Lira na Presidência da Câmara e Ciro Nogueira na Casa Civil. Conspirou contra o STF até que selou, em abraço com Toffoli, a proteção do pimpolho das rachadinhas.





Conspirou contra a imprensa e conseguiu aliados, veículos adesistas de tal sorte, que até os próprios se envergonham às vezes. Conspirou contra as urnas eletrônicas e se rendeu, por ora e por conveniência. Conspira, agora, contra os institutos de pesquisa.

CHAVISMO NA VEIA


A cartilha, repito, é a mesma das autocracias mundo afora. Nada pode existir fora do controle das redes bolsonaristas. Informação? Dois ou três veículos controlados, e só. Pesquisas? Só as que “me dão vantagem”. Supremo? Aquele que posso controlar.

Estou exagerando? Bem, o general Mourão já anunciou e o maridão da Micheque não negou: vão tentar, ao modo chavista, aumentar o número de ministros para controlar o STF. Já não lhes basta ter a maioria do legislativo, como têm, é preciso controlar tudo.





O incrível é que, mesmo assim, a ameaça que dizem (os bolsonaristas) pairar sobre o Brasil é a tal venezuelização. Como assim, pô? A corrosão do tecido social, as ameaças às instituições democráticas e agora a promessa de reforma no Supremo vêm deles.

Em três semanas teremos o fim dessa merda toda - para o mal ou para o pior! O saldo será catastrófico “anyway’. Além de um País agressivamente dividido, com os cofres estourados e uma crise mundial imprevisível, continuaremos presos em debates tão úteis como foram os desgovernos de Lula e Bolsonaro, dois lados muito mais semelhantes que opostos.