Jornal Estado de Minas

OPINIÃO SEM MEDO

Menina Benigna contra meninos malignos: xô!, feminicídio no Brasil

Não sou uma pessoa religiosa nem tenho muitas crenças ou o exercício valioso da fé. Sou judeu, fui educado em escolas cristãs, filho de uma espírita, casado e genro de católicas, portanto, um autêntico multifacetado e pluralista em termos espirituais. Ser atleticano talvez signifique minha verdadeira religião, hehe. Eis a cruz que carrego.





Contudo, acompanhar de perto a religiosidade dos fiéis me toca muito. O Santuário de Fátima, em Portugal, é o local sagrado que mais me impressionou até hoje, ao lado, claro, do Muro das Lamentações e o Santo Sepulcro em Jerusalém (Israel). A energia e a emoção estampada no rosto das pessoas é simplesmente impressionante.

Também sou uma pessoa intimamente ligada às mulheres. Sempre fui rodeado por elas. Minha avó paterna, minha mãe, minha sogra, minha esposa, minha filha, minha sobrinha que mora conosco… Todas sempre foram personagens muito marcantes na minha história e sempre serviram como pilares nas minhas horas mais difíceis.

Há quatro meses, faço, com muito orgulho e alegria, parte do time de comentaristas da Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, a maior de Minas Gerais e uma das maiores do Brasil. Desde então, por estar todos os dias na redação, me deparei com um mundo que não conhecia, pois sempre enclausurado - e protegido - na minha bolha social.





Passei a ouvir e a comentar, quase diariamente, notícias terríveis sobre a violência contra as mulheres, que ocorre cotidianamente, há anos, no Brasil. A palavra "feminicídio" deixou de ser notícia de TV para se tornar uma triste realidade nos meus dias. O serviço social que a Rádio presta, ao estar atenta e denunciar a barbárie, é simplesmente espetacular.

Hoje, durante o programa Conversa de Redação, que vai ao ar de 8:40h às 9:00h, de segunda-feira a sexta-feira, pude falar um pouquinho a respeito. Um dos temas da pauta foi a beatificação da menina morta aos 13 anos de idade, em 1941, após ter sido vítima de violência sexual, Benigna Cardoso da Silva, em Santana do Cariri, no Ceará.

O nome dessa criança parece ter prenunciado seu destino, 80 anos depois. Em tempos tão malignos e sombrios, o nome Benigna soa como um sopro de esperança. Soa como uma lufada de bondade frente à uma sociedade terrivelmente violenta, como a brasileira, e, sim, indubitavelmente machista, sexista e misógina, onde homens sentem-se impunes.





A menina foi morta a golpes de facão após recusar o sexo com seu algoz. A partir de então, se tornou mártir e simbolo, na região do Cariri, do combate à violência contra as mulheres. Ontem (segunda-feira, 24), o Vaticano finalmente reconheceu o legado de Benigna, ratificando a beatificação aprovada pelo Papa Francisco em 2019. Amém!

Todos os anos, romarias de mulheres, vítimas de violência doméstica, ocorrem em busca da proteção de Benigna.  Entre janeiro e setembro deste ano, quase 14 mil mulheres sofreram algum tipo de violência no Ceará e 22 foram assassinadas, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Ano passado, foram 320 crimes de feminicídio, fora as subnotificações.

O número de mulheres assassinadas no estado é quase o dobro do brasileiro. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 7 a cada 100 mil mulheres foram mortas no Ceará em 2020 (no Brasil, a média é de 3.6 a cada 100 mil). Por isso, Benigna é tão importante para a região como símbolo da resistência à violência contra as mulheres.

Ainda hoje, há pessoas - inclusive mulheres! - que culpam as vítimas pela violência. Há quem credite culpa a uma jovem, por usar roupas provocantes, seu estupro. Há quem credite culpa a uma esposa, por escolher mal o marido, seu espancamento. Há quem diga, e ouvimos isso recentemente, durante a campanha eleitoral, que mulher é “ajudadora”.

Sim. A esposa do presidente Bolsonaro, a primeira-dama Michelle, disse que seu lugar - e o das mulheres - é ajudando o marido. Não! O lugar das mulheres é o mesmo que o de qualquer homem, ou gênero que seja. É o lugar reservado para a dignidade e o respeito humanos. É o lugar que quiserem! Para mim, o lugar delas é no Olimpo da minha mais alta prateleira. Eu simplesmente não me reconheço sem minhas mulheres ao meu redor.