Jair Bolsonaro não é o pai de toda essa barbárie civilizatória que experimentamos há alguns anos, recrudescida sobremaneira após a chegada do novo coronavírus ao Brasil. Aliás, o termo bolsonarismo, que tende a permanecer, fará injusta homenagem ao ogro derrotado nas urnas, pois fará crer que toda esta gigantesca horda de selvagens, que escapuliu das jaulas do inferno, existe por e pelo “mito”. Bobagem.
Um grande amigo me disse, recentemente: “Ricardo, não há qualquer razão para imaginar que o brasileiro médio seja diferente, ou mais maduro, cultural e intelectualmente, que o italiano e o alemão médios de 85 anos atrás”. Perfeito. Minha ilusão foi imaginar que o século XXI enterrara, senão completa e definitivamente, mas praticamente, comportamentos medievais - e de manada. Ledo engano.
Pessoas violentas, rancorosas, insensíveis, incapazes de conviver em sociedade nós as temos aos montes - e sempre! Beleza. Novidade alguma. Mas jamais as tivemos em tão grande número e tão próximas assim. A impressão que tenho é que, a partir de agora, tal movimento tende a crescer, e líderes como Bolsonaro, Nikolas, Zambelli e afins tornar-se-ão cada vez mais numerosos e mais populares.
Como iniciei este texto, o tal bolsonarismo não representa o Messias, mas, sim, o que ele representa: intolerância, preconceito, autoritarismo… totalitarismo! É surreal assistir a pais e mães que conheço há décadas, gente que sempre imaginei ser da melhor qualidade, apoiar e repetir discursos de ódio contra pobres e nordestinos. Aliás, gente que se dizia preocupada com a democracia, ir para as ruas pedir golpe militar.
Nos últimos dois meses, contudo, atônitos - ao menos eu estou - assistimos a crianças, pré-adolescentes e adolescentes comportarem-se como legítimos nazifascistas, publicando coisas horrendas nas redes sociais e praticando violência física contra colegas nas escolas. Uma menina de 16 anos, colega da minha filha, falou em “derramar sangue” contra o PT. Outra em “pegar em armas para impedir a posse do ladrão”.
No Colégio Loyola, de Belo Horizonte, uma das mais tradicionais escolas da cidade, alunos “bolsonaristas” hostilizaram colegas “petistas”. Recorro às aspas pois não são nada ainda, senão crianças repetindo os pais. Até em instituições de pré-primário os pequeninos rompiam as brincadeiras contra quem fosse petista. Meus Deus! Estou falando de criaturinhas com menos de 10 anos. Com quem aprenderam isso?
Em Curitiba, também em uma escola de elite, adolescentes arrancaram, à força, uma bandeira do PT das mãos de um aluno, urinaram sobre o pano e depois tocaram fogo, publicando os vídeos nas redes sociais. Pavorosas trocas de mensagens em grupos de WhatsApp foram trocadas em colégios de elite de São Paulo, todas de cunho xenófobo e racista, além de ameaças de violência e até de morte.
Indignado, ou melhor, abafado, assustado, sem saber mais o que pensar e fazer, gravei um vídeo que viralizou e que foi assistido por mais de 500 mil pessoas até este sábado. Sou judeu e, como tal, não consigo aceitar preconceito, violência, ameaça, enfim, contra qualquer etnia ou grupo social. Aliás, nem mesmo contra um único indivíduo que seja. Vai contra a minha gênese, entendem?
E foi justamente em uma escola judaica, em Porto Alegre, que mais um ataque inaceitável, um ataque de cunho nazifascista ganhou as manchetes neste sábado. Alunos judeus, ofendendo outros alunos por causa da cor, origem e classe social, que votaram em Lula. Que filhos de Abraão são estes? Aliás, filhos de que pais? De pais judeus? Judeus como aqueles do clube A Hebraica, no Rio de Janeiro?
Nas manifestações golpistas, ilegais e criminosas dos últimos dias, assistimos a cenas inacreditáveis de crianças sendo utilizadas, ao modo dos terroristas palestinos, como “escudos humanos”. E gente bem miudinha, mas miudinha mesmo, com bandeiras e faixas nas mãos, pedindo o fim da democracia. Caramba! Deveriam estar brincando e jogando bola, e não praticando crime e aprendendo sobre violência.
Como não sou nem nunca fui de esquerda, e como, declarada e comprovadamente não votei em nenhum destes dois péssimos candidatos, sendo, inclusive, historicamente antipetista e, lamentavelmente, eleitor, no segundo turno de 2018, de Bolsonaro, me sinto muito à vontade para exercer o tal “lugar de fala”, sem qualquer comprometimento político ou ideológico. Minha guerra é contra os extremos e pronto.
O nazismo, o fascismo, o comunismo, o maoísmo, enfim, todas as tiranias sanguinolentas da história contaram com a resistência de gente brava, humana, que correu riscos - e perdeu a vida -, combatendo o mal. Decidi fazer parte desta resistência. Daqui a, sei lá, 30 anos, ou mais, os livros de história retratarão esse momento cruel do Brasil, onde até crianças tornaram-se agentes da desgraça, e eu estarei lá..
Sim, como eu disse, o “bolsonarismo” não irá passar. Como não irão passar os milhões de brasileiros que lutam e lutarão contra a violência dessa gente. Quando os historiadores contarem o que aconteceu, como meus avós me contavam sobre o holocausto, quero meu nome gravado ao lado de quem, meu netos, terão como justos e do bem. Este será o meu grande legado. Ainda que muitos não gostem e tentem me cercear.