O dia amanhece em Belo Horizonte e a vida segue seu ritmo inexorável, com ou sem Milton Nascimento nos palcos, com ou sem o Galão da Massa na Libertadores, com ou sem Jair Bolsonaro, ou Lula da Silva, na Presidência da República, pois o relógio biológico de cada um e o tic-tac da história não sesubmetem às angústias individuais, ou coletivas, dos viventes à toa que ocupam a Av. Raja Gabaglia e infernizam a região.
Impressionante e assustadoramente, contudo, para muita gente a realidade factual cedeu espaço para outra, paralela, em que os campos de visão e compreensão se apequenaram de tal forma que já não existe mais lugar para a lógica e a razão. A dissonância cognitiva é tamanha que negócios, família, amigos, futebol, enfim, nada mais tem valor e tudo perdeu o sentido diante da ameaça do “monstro comunista”.
Falo isso porque sinto na pele tal momento de surrealismo fantástico, em que um amigo e advogado (dos melhores) deixa-se capturar pela histeria coletiva e permite-se gritar, fora de si, "Forças Armadas, salvem o Brasil”, indo de encontro a tudo que pensa, acredita e pratica em seu dia a dia profissional. Ora, como um operador do direito, guiado pelas leis e pela Constituição, clama pela ruptura daquilo que defende?
Um importante parceiro comercial, eu diria uma espécie de “patrão”, executivo de primeira classe, respeitado no Brasil e no mundo, estreitou de tal sorte seu campo de visão que hoje imagina ser uma peça fundamental na manutenção da liberdade no País, ainda que estimule a destituição antecipada do presidente eleito Lula da Silva. Por óbvio, nem este parceiro é fundamental, nem a liberdade está ameaçada.
Tentar mostrar para os tiozões e tiazonas do zap, nas ruas e na internet, nos escritórios e nos almoços de família, nos botecos e nos restaurantes estrelados, que o Brasil não vai acabar, que o comunismo não existe há décadas (se é que de fato já existiu) e que Lula não irá transformar o País na Venezuela, nem muito menos Alexandre de Moraes se tornará ditador da nação, neste momento de hipnose coletiva é inútil e disfuncional.
O melhor a fazer, portanto, é encher o espírito de paciência e esvaziar o saco de preguiça, porque logo virá a Copa do Mundo, depois, as festas de fim de ano, a posse no novo governo e, principalmente, o carnaval, momento em que nem o mais bolsominion dos bolsominions abdica de escapar da realidade e viver a fantasia, ainda que, neste caso, seja justamente o contrário, hehe.