Jornal Estado de Minas

RICARDO KERTZMAN

Pais e mães como eu, deixem seus filhos longe dos nossos medos

Ontem, eu escrevi uma coluna e citei a genial e imortal banda inglesa de rock progressivo Pink Floyd, ícone da minha geração e que encanta multidões por todo o mundo até hoje. A imagem que usei para ilustrar o texto veio do Youtube, e por isso, graças aos onipresentes e onipotentes - já já oniscientes também - algoritmos, minha timeline passou o dia inundada por vídeos do Roger Waters, David Gilmour e o próprio conjunto. Na boa, às vezes a saudade é um troço difícil demais de suportar, e não sei o que dói mais: se as lembranças dos vinte e poucos anos ou a falta da minha mãe.




 
Sim, falo dela agora porque estou ouvindo “Mother”, e se um humano com mais de dois neurônios em perfeito estado de conservação ainda não ouviu essa música, acreditem, não apenas não sabe o que está perdendo como é irrecuperável o tempo que perdeu. A letra, a melodia, os solos de guitarra, o compasso meio angustiante, a história, o tom choroso… O melhor é que serve a todos os tipos de almas penadas, perdidas entre as emoções e as fantasias, de filhos (órfãos ou não) a pais, passando por qualquer um que tenha a capacidade de olhar para dentro e aceitar o vazio brutal que nos habita.

Um trecho em especial sempre me tocou sobremaneira: "Mama is gonna put all of her fears into you”. Traduzindo: mamãe irá colocar todos os medos dela em você. A minha, certamente, o fez com extremo louvor e, claro, sem a menor intenção e a menor ideia do que estava fazendo. Ocorre que nós, pais, somos assim mesmo. Queremos tanto acolher e proteger nossas crias que acabamos as entupindo de - e com nossos - receios. Em um mundo perfeito, que não “equisiste”, como diria o Padre Quevedo (onde anda o doidão, hein?), criaríamos os filhos sem os nossos medos, e eles seriam mais felizes.

Eis uma boa reflexão para este domingo: sente-se sozinho(a), beba algum álcool para ajudar, ouça “Mother”, lendo a letra, lembre-se da juventude e de sua mãe, deixe o pensamento ir longe, chore bastante (pois extremamente produtivo nestes momentos) e depois tente ser uma mãe (ou um pai) melhor.

Passo por um momento pra lá de interessante - e desafiador para mim - com minha filha, e só eu sei a dor (passageira) que estou sentindo. Não à toa começar este texto por um motivo, ou uma desculpa, e terminar assim, falando não da minha mãe e dos meus medos, mas da minha filha e… dos meus medos! Sempre eles.