Jornal Estado de Minas

RICARDO KERTZMAN

Obrigado, Galo! 42 anos depois, eu sou bi-tetracampeão mineiro

Em 1981, com 14 anos de idade, eu vivia dias de muita angústia, me lembro bem. O bom de envelhecer - e da maturidade - é poder visitar o passado sem medo, sem dor, sem vitimismo e ressignificar situações e sentimentos que, à época, pareciam diferentes.





Nos anos 1980, minha família sofria com uma grave crise financeira e meus pais iniciavam um processo de separação que se consumaria dois ou três anos depois. Na escola, me segurava como era possível entre recuperações, bombas e dependências.

O Atlético já era a minha válvula de escape, ao lado do futebol e de horas e horas andando de bicicleta pela cidade, que aliviavam todo o peso do mundo que eu carregava nas costas - peso este que, confesso, só consegui largar de uma vez, algumas décadas depois.

TETRA

Em 25 de novembro de 1981, numa quarta-feira à noite, o Atlético venceu o Uberaba por 2x0 e sagrou-se tetracampeão mineiro antecipadamente (gols de Toninho Cerezo e Tita - jogador horroroso). Dois anos mais tarde, em 1983, o Galo chegaria ao hexacampeonato.





Não pude ir ao jogo, pois minha mãe, sempre mais rigorosa que meu pai, me proibiu por causa dos estudos. Era fim de ano e eu caminhava a passos largos para mais uma temporada de “quatro recuperações” no Colégio Santo Antônio. Eita, CSA querido!!

À época, como os mais antigos sabem, não havia transmissão “ao vivo”, pela TV, de jogos do campeonato mineiro no meio de semana. Muito menos havia internet ou pay per view. Era colar o ouvido no radinho de pilha e escutar a partida pela Rádio Itatiaia (AM).

BI-TETRA

Ironicamente, quatro décadas depois, também não fui ao Mineirão assistir ao tetra. Estava em pleno voo, e vejam só: TV a bordo! Nada de radinho. O menino de 14 anos cresceu e agora tem uma filha, de 17. Mas não só: é comentarista da Rádio Itatiaia - louco demais, né?

No caminho de Confins para casa, não conseguia parar de pensar nessas coisas. Os fantasmas que me afligiam em 1981 não passam nem perto em 2023. Sou casado, profissionalmente estável e pai de uma adolescente sem grandes angústias.

Por outro lado, em comum com os anos 1980, o “pânico” durante um jogo do Atlético. Sim, após a expulsão do Otávio, eu vi, senti e sofri a virada do Coelho, imaginando, como sempre, aquelas catástrofes que só acontecem com o Galo. Ou aconteciam.




RUMO AO HEXA

Às vésperas de completar 56 anos, tenho pouco a pedir e muito a agradecer. Principalmente a meus pais, que não estão mais aqui, e ontem não tiveram que se preocupar com o “filhinho” que só piorou em relação ao Atlético (entendam piorar como quase colapsar durante o jogo).

Lá atrás, com exemplos e modelos (inclusive do que não fazer), moldaram o adulto que me tornei. E ainda que de forma não intencional, permitiram que eu desenvolvesse uma “Galo Dependência” que me definiu como indivíduo e se fundiu com minha própria existência.

Imagino que, daqui a dois anos, estarei comemorando mais um hexa, como em 1983. E assim como há quatro décadas, estarei lá. Não fui nos tetras, como já disse, mas nos pentas e hexas que virão, pretendo estar. Se Deus quiser e o Galo permitir. Eis um dos poucos pedidos a fazer.
 
P.S.: O Atlético vive o melhor momento da sua história. Em pouco mais de dois anos, foi bicampeão brasileiro, tetracampeão mineiro, bicampeão da Copa do Brasil e campeão da Supercopa. Está para inaugurar seu estádio (Arena MRV), concretizar sua SAF (Sociedade Anônima de Futebol) e aderir a uma liga (LFF ou Libra).