Jornal Estado de Minas

RICARDO KERTZMAN

Um filho, os pais, um vigarista e as "big techs". Ou: os trouxas que danem

Fred estava esfuziante. Finalmente, encontrara a tão sonhada casa para os pais. Ele próprio, dois anos antes, conseguira comprar a sua. Era um apartamento modesto, com um quarto, um banheiro, uma sala e uma pequena cozinha. O preço: 250 mil reais.





O bom filho, agora, tinha 150 mil. O imóvel dos pais custaria 200 mil. Faltavam, portanto, 50 mil reais. Procurando na internet por dicas de investimento, se deparou com a mensagem: “faça seu dinheiro render mais que qualquer outra aplicação com total garantia e sigilo”.

Como não é bobo, Fred desprezou o anúncio. Leu alguns artigos sobre bolsa de valores, ouro, bitcoin e decidiu aguardar mais um pouco. Em um ano, talvez, juntaria a diferença. Ou, quem sabe?, financiaria o saldo, mas com esses juros, “melhor não”, pensou.

No dia seguinte, o rapaz não parou de receber propagandas de investimentos nas suas redes sociais; os tais “conteúdos patrocinados”. Instagram, Facebook, TikTok… uma verdadeira enxurrada de anúncios e ofertas muito atraentes. Mas Fred não era bobo.





Um dia, um vídeo patrocinado chamou sua atenção. Um rapaz bem vestido, bem articulado e com grande conhecimento ensinava como ganhar 20% ao mês com segurança e facilidade. Fred pesquisou o “especialista” e viu tratar-se de alguém com muito sucesso.

QUEM TUDO QUER


O investidor tinha milhares de seguidores no Twitter e no Instagram. Todos os comentários nas postagens eram de felicitação e gratidão. Pessoas enriqueceram com as dicas do moço. Viagens, carrões, restaurantes, casa na praia… o cara era realmente bom.

Fred, então, o procurou. Explicou que precisava de um retorno de 30%, o mais breve o possível. O “banqueiro” lhe explicou tudo direitinho e disse que quanto maior o retorno e menor o prazo, maior o risco. Por isso, sugeriu uma aplicação mais moderada.





A promessa era um retorno de 25% a 30% em três ou quatro meses, pois mais seguro. Fred deu razão ao novo amigo-conselheiro e ficou bastante grato pela prudência sugerida. Assim, ficou ainda mais seguro em transferir os 150 mil reais para o especialista.

No fim do primeiro mês, ao conferir o saldo, Fred ficou muito feliz: 15% de retorno. No final do segundo mês, outra alegria: 10% a mais na conta. Assim que terminou o terceiro mês, a primeira frustração: “apenas” 5% de ganho. Mas ao completar o quarto mês, bingo!

Os 150 mil reais, agora, eram cerca de 210 mil. Que alegria! Correu para a imobiliária e deu o sinal para a compra do apartamento dos pais: 10 mil reais. E acertou que faria o depósito dos 190 mil restantes no dia seguinte, tão logo resgatasse o dinheiro investido.

PESADELO


Ao ligar para o amigo-investidor e solicitar o resgate, ouviu que eram necessários de três a cinco dias úteis para a liquidação das posições e o pagamento: “coisas do mercado financeiro”. Mas ficou feliz em saber que já tinha um pouco mais que os 210 mil reais.





Na semana seguinte, Fred ligou para a financeira e ficou sabendo que o proprietário precisou fazer uma viagem internacional, a negócios, e que só voltaria dali a três ou quatro dias. Ficou chateado, ligou para a imobiliária, explicou o imprevisto, mas bola pra frente.

Na sexta-feira, ligou novamente e falou com o “banqueiro”, que estava em êxtase. Imediatamente, deu a notícia ao cliente: “você não vai acreditar no que fiz”, disse ele. “Emprestei seu dinheiro a um investidor suíço, que vai pagar 30% de juros ao mês”.

Fred ficou confuso e perguntou: “então não vou poder sacar o dinheiro?”. O banqueiro explicou: “claro que vai; o dinheiro é seu. Mas ao invés de 220 mil, você vai sacar quase 300 mil. O que são 20 dias?”. Ele tinha razão, pensou o rapaz, que se deu por convencido.





Ao final do quinto mês, os 150 mil reais aplicados praticamente dobraram. Fred ligou uma, duas, três, quatro vezes e só dava “caixa postal”. Voltou a ligar uma, duas, três, quatro vezes e nada. Mandou email, whatsapp, direct e nenhuma resposta.

GRAN FINALE


No dia seguinte, após não pregar os olhos e não receber nenhuma notícia, decidiu pegar o carro e se dirigir até a sede da empresa, em São Paulo (Fred morava em Belo Horizonte). Após 8 horas de viagem, chegando ao destino, encontrou  no local uma padaria.

Ninguém ali sabia da tal empresa nem jamais ouvira falar do bem-sucedido empresário. Em total desespero, o rapaz procurou uma delegacia de polícia. Ao relatar o caso, ouviu do delegado de plantão: “provavelmente, você foi vítima de um golpe”.





O final dessa história todos nós sabemos de cor. Fred perdeu seu dinheiro, o vigarista jamais foi encontrado e os pais do filho amoroso continuam “morando de aluguel”. Além do estelionatário, sabem quem mais ganhou dinheiro com tudo isso? A Meta.

Quem é a Meta? A onipresente dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp. Fred só foi alcançado pelo anúncio do vigarista virtual porque seus algoritmos detectaram que precisava de dinheiro e que buscava investimentos financeiros.

O pilantra distribuía seus conteúdos (o vídeo que seduziu Fred), pagando pacotes de impulsionamento. Quanto mais ele anunciava, mais relevância adquiria. Quanto mais relevância, mais vítimas. Quanto mais vítimas, mais dinheiro roubado.

Ainda assim, a Meta, o Google e as outras tais “big techs” acham que não devem ser responsabilizadas, civil e criminalmente, pelos conteúdos que armazenam, distribuem e impulsionam em suas páginas de internet, afinal, não são produzidos por elas. O Fred (que pode ser o João, a Maria, o Fernando, a Lúcia) que se dane. Quem mandou ser trouxa?