Jornal Estado de Minas

RICARDO KERTZMAN

Guerra sem fim: ex-secretário de Kalil coloca Arena MRV sob ameaça jurídica

Há uma expressão em latim, “longa manus”, assim traduzida para o português: mãos longas. Ao final deste texto, o leitor poderá se perguntar: “por que o Ricardo iniciou essa coluna com tal expressão?”. Ou então, por si só, concluir o que achar melhor. Bora lá:

O ex-secretário municipal de Meio Ambiente da gestão Alexandre Kalil, Mário Werneck, concedeu uma entrevista em que dissertou - a meu ver, erroneamente - sobre a possível liberação da Arena MRV, que está sendo discutida em conjunto entre Atlético, Prefeitura, Câmara Municipal e Ministério Público estadual.





A mim me parece curiosa uma entrevista de um ex-secretário, justamente o responsável por aquilo que o Galo, a CMBH e todos os paralelepípedos de Belzonte entendem como abusivo (certas contrapartidas), para ouvi-lo sobre um assunto que: 1) não lhe diz mais respeito; 2) cria confusão onde não há e atrapalha, certa maneira, a alegria do torcedor atleticano, eufórico pela notícia da SAF e pela proximidade da conclusão da casa própria.

Como conselheiro atento e atuante, tenho acompanhado muito de perto as tratativas em torno da, digamos, regularização da Arena MRV. Como jornalista, manifesto com relativa frequência minhas opiniões a respeito, não na base do achismo e do “diz que me diz”, mas como “testemunha ocular” dos fatos e contumaz estudioso do assunto.

ESPANTOSO

Por isso, foi com extrema surpresa que li algumas ilações e distorções na entrevista, motivo que me faz, respeitosamente e embasado em fatos inequívocos, contrapor o ex-secretário de Alexandre Kalil, o ex-prefeito investigado em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte (CMBH), cujo título é “Abuso de Poder”, justamente tendo parte desse inquérito relativo a supostos abusos contra o Clube Atlético Mineiro.





Werneck parte de premissas atualmente inexistentes, ou equivocadas. Como esclarecido na própria entrevista pelo vereador Cesar Gordin (Solidariedade), “as falhas do Projeto de Lei (PL) anterior foram corrigidas no novo texto”, ou seja, não há que ameaçar, digo falar em “judicialização” sobre fatos inexistentes. Aliás, neste sentido, conclui o vereador Bruno Miranda (PDT): “a licença é provisória, aprovada evento a evento, com plano de trabalho que precisa passar pela prefeitura. Não acredito que a proposta resulte em problemas com a legislação ambiental”.

Ao manifestar sua visão, repito, a meu ver, errada, o ex-secretário acaba colocando em xeque a competência e responsabilidade dos atuais gestores da PBH, como se todos ali não fossem zelosos e cientes de suas obrigações funcionais, e estivessem agindo de forma ilegal, o que comprometeria, no limite, os próprios CPFs. Sem falar no desprezo pelo MPMG, que acompanha atentamente todos os passos, além do Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e BHTrans.

SÓ WERNECK ESTÁ CERTO?

Além disso, ou três vereadores (Gabriel Azevedo, Presidente da Câmara, Bruno Miranda, líder do governo na Casa, e Cesar Gordin, autor do projeto), três reconhecidos secretários municipais (Josué Valadão, Antônio Fleury e Leonardo Castro), o CEO da Arena MRV e do CAM, Bruno Muzzi, e o próprio prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, estão loucos - ou agindo de forma ilegal - ou é o próprio ex-secretário que não sabe o que fala e, pior, antevê “possível judicialização”.





Segundo a entrevista, Werneck admite que partiu da prefeitura a ideia de transformar a Arena MRV em um empreendimento de Utilidade Pública: sem essa declaração, não seria nem possível levar o licenciamento à frente. Nós trabalhamos para liberar a construção”. 

Que bom! Finalmente alguém da antiga PBH admitiu que atirou todo o processo de licenciamento anterior, iniciado e concluído - pronto para ser enviado à CMBH para aprovação - na gestão Marcio Lacerda, e depois paralizado por mais de um ano, dormindo em alguma gaveta da gestão Alexandre Kalil, na lixeira, ao impor (conforme explicou detalhadamente Bernardo Farkasvolgyi, arquiteto da Arena, em sua oitiva na CPI) uma nova forma de aprovação.

O EX-SECRETÁRIO DE KALIL TAMBÉM AFIRMOU:

- “A região é muito complicada para construção de um estádio de futebol daquele tamanho”. Sim. E foi isso o que disse a Farkasvolgyi a ex-secretária Maria Caldas, o que obrigou o Atlético a abandonar o projeto inicial de um estádio para 60 mil lugares, com shopping ou centro de convenções em anexo, sem qualquer argumento técnico senão a própria má-vontade. Parabéns, secretário, secretária e ex-prefeito! Vocês fizeram um bem enorme ao Galo e à cidade (aviso: contém 100% de ironia os cumprimentos).  

- “É uma área íngreme, que depende de acesso. Existem medidas que devem ser elaboradas senão fica inviável acontecer um jogo de futebol num local daquele”. Sim. E é por isso que obras viárias NECESSÁRIAS não apenas foram apresentadas pelo próprio Atlético como estão em execução. Conforme declarou o próprio Bruno Muzzi, “o Atlético jamais questionou as contrapartidas necessárias, mas sim os exageros”.





- “Quem passa por aquele local em horário de grande movimento sabe que aquela localidade já tem situação delicada. O funcionamento hoje da Arena com sua capacidade máxima, 45 mil pessoas, certamente levará ao colapso do trânsito na região”. Sim. É verdade. Desde de 1996 a PBH concluiu que aquela região é problemática e nunca fez nada. Seriam agora dois jogos do Atlético, por mês, numa quarta-feira à noite, os responsáveis pelo caos que o Poder Público jamais cuidou e que espetou a solução, maldosamente, no lombo de um ente privado (CAM), Sr. Werneck?

PLANO MALÉFICO DOS 4 RS

Eu não estou acusando ninguém nem afirmando que tal entrevista tenha cunho político, mas não deixa de ser curioso - repito - o momento de sua publicação, principalmente quando ocorre simultaneamente a outras ilações que circulam fartas por blogs e redes sociais. Uma delas, em especial, chega a ser risível: uma que afirma que a SAF do Galo beneficiaria os investidores, notadamente os 4 Rs, pois “transformaram um terreno sem valor em uma Arena, e agora serão os donos”. 

Fico imaginando, aqui, estes maldosos 4 Rs, lá em 2014, quando iniciou-se o projeto do estádio,  planejando tudo: “vamos dar entrada no projeto agora (gestão Pimentel), depois combinamos com um prefeito (Lacerda) de aprovar, em seguida, pedimos para um outro (Kalil) atrasar e encarecer bastante a obra, daí, anos depois, criamos uma lei (SAF), e no final ficamos com tudo, depois de enfiar 300 milhões de reais no Atlético e avalizar, pessoalmente, mais 500 ou 600 milhões de reais”. Na boa, haja burrice e má-fé para criar essas teorias, viu?

UMA VEZ ATÉ MORRER

Em sua “defesa”, de que não atuou sob as ordens de Kalil para prejudicar o Atlético, Werneck disse: “ “Eu sou atleticano, eu já tive um infarto por causa do Atlético. Mas eu não posso deixar de fazer a coisa certa. Nós nunca fugimos daquilo que rege a política ambiental nacional”. Bem, ex-secretário, começando pelo fim:

- Aponte-me o artigo da lei que obriga o Atlético a edificar e manter um parque linear por 30 anos.



- Aponte-me o artigo da lei que obriga o Atlético  a plantar e cuidar do ciclo de crescimento de 46 mil mudas (uma para cada assento).

- Aponte-me o artigo da lei que obriga o Atlético a construir quatro jardineiras na esplanada da Arena, “porque está muito árida”.

- Aponte-me o artigo da lei que obriga o Atlético a intervir em uma passarela de rodovia federal concessionada.

Ah! Especificamente sobre política ambiental nacional, o Galo jamais questionou uma única vírgula. 

Por fim, confesso, nunca enfartei pelo Galo, ainda que já tenha ido parar na enfermaria do Mineirão e do Independência três vezes, e passado uma noite internado no Prontocor por causa de um gol de falta do Éder contra o CSA-MG. Mas posso garantir que AINDA sou atleticano. Posso garantir que faço juz ao nosso hino: “uma vez até morrer”. Pergunto: o senhor e o ex-prefeito Alexandre Kalil, diante de tudo que hoje sabemos sobre Arena MRV, podem dizer o mesmo? É só uma pergunta. Longa manus, longa manus…