A imagem externa do Brasil sofreu nos últimos dias um ataque sem precedentes. Uma barragem de denúncias e de críticas em torno das queimadas na Amazônia ocupou as primeiras páginas dos jornais e as manchetes das maiores redes de televisão em quase todas as cidades do mundo. A impressão é que estamos pondo em risco o clima do planeta. Somos objeto de temor e de reprovação. Esta nova imagem é fruto da realidade ou de uma falsificação da realidade?
Estamos diante de um caso de comunicação que será ainda matéria de análises e dissertações acadêmicas, com foco em duas questões. Como se formam nas pessoas as imagens e percepções a respeito de um fenômeno complexo e distante e sobre o qual elas não tem nenhum conhecimento direto? A mídia noticia rotineiramente guerras, desastres e sofrimento todos os dias, sem causar impacto na opinião pública ou nos governos.
A outra questão é como um fato que não é verdadeiro se torna, não por meio da irresponsabilidade e da malícia das redes sociais, mas pelas mãos dos órgãos mais sérios da imprensa mundial, uma verdade incontestada? A crença comum era que na imprensa tradicional os fatos sofriam um rigoroso processo de apuração. No episódio que estamos vivendo não tem havido apuração nem checagem das informações. Vamos aos fatos.
É verdade que há muitas queimadas na Amazônia brasileira nesta estação seca de 2019. Mas, estas queimadas sempre ocorreram, desde quando a região foi sendo ocupada pelo homem. Entre os anos 2000 e 2019, a média dos focos de queimadas no mês de agosto foi de 34.000, tendo um pico de 73.000. Em 2019, no mês agosto, foram registrados 34.000 focos, exatamente a média dos últimos vinte anos. É claro que estas ocorrências são lamentáveis, e o fato de as queimadas estarem dentro da normalidade não nos serve de alívio, muito pelo contrário, é uma vergonha e merece toda reprovação. Mas em nenhum momento, em todo este tempo, houve qualquer surto de notícias que assustasse o mundo.
A mesma coisa ocorre quanto ao desmatamento. A chamada Amazônia Legal tem uma superfície de 5.217.423 km², dos quais 61% são florestas, 24% outros tipos de vegetação, principalmente cerrado e 15% de áreas ocupadas pelo homem. Neste vasto território a área de vegetação nativa é de 84% da área total. O desmatamento existe, sendo a maior parte ilegal, mas existe também há muito tempo. Nos anos de 1995 e 2004 por exemplo a área total desmatada chegou perto de 30.000 km². Desde 2005 a área vem diminuindo, tendo sido inferior a 5.000 km² em 2012 e 2014. Em 2018 infelizmente cresceu para 7.000 km², muito menos do que a média e os elevados níveis de devastação que conhecemos no passado.
Nada de excepcional ocorreu nestes meses de 2019, não havendo qualquer motivo para a súbita reação internacional. O Brasil, em todos os governos, vem fazendo esforços concretos para diminuir as queimadas e o desmatamento ilegal. Mas a extensão da Amazônia e a precariedade dos nossos meios torna a tarefa muito difícil. A Zona Franca de Manaus que custa uma renúncia fiscal de R$ 30 bilhões, o mesmo valor do orçamento do Bolsa-Família, foi implantada justamente para oferecer uma alternativa econômica que poupasse a vegetação nativa.
Qual a razão, então, para todo este súbito barulho e todos os danos à nossa imagem perante o mundo, se nada de novo aconteceu na realidade? A resposta só pode ser uma: a maneira descuidada e às vezes inconsequente com que o governo brasileiro se comunica com a nossa sociedade em temas sensíveis à humanidade e ao que resta de civilização no mundo. A falta de silêncio nos queimou e este fogo queimará por muito tempo.