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Reeleição: confesso que errei

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A Constituição de 1988 trouxe ao nosso país muitos avanços civilizatórios, mas não podemos omitir que ela também consagrou muitos privilégios corporativos que tornaram o Brasil mais desigual. Ela também não ousou renovar o sistema político e partidário, deixando as sementes para as disfunções políticas que nos afetam até hoje.



Nesses mais de 30 anos de governos democráticos, o Brasil progrediu em muitas coisas e vivemos em liberdade. Infelizmente, a nossa economia tem crescido muito pouco, ou quase nada, e as desigualdades sociais não diminuíram. O sentimento que fica é que a nossa democracia não tem produzido sempre os melhores governos.

É verdade que os governos não podem tudo e não devem ser responsabilizados por todos os problemas da sociedade. No entanto, bons governos, os que têm a capacidade de distinguir os problemas verdadeiros e que se esforçam para unir a nação, colocando o interesse coletivo acima de tudo, fazem muita diferença.

Governos que governam com os olhos voltados para as pesquisas de opinião e vivem em permanente campanha eleitoral não enfrentam as questões difíceis e não servem à nação, e sim a si próprios.



Eleições são a melhor forma conhecida para a escolha dos governantes. O voto popular contudo, nem sempre é capaz de diferenciar os bons dos maus candidatos. Nós temos sido a prova desta realidade, pois temos escolhido governos que não estão à altura dos problemas com que devem lidar.

Por isso, as boas leis e instituições democráticas devem ser capazes de limitar e de conter os maus governos, impedindo que eles causem danos permanentes ao país ou que se eternizem no poder.  

O Brasil cultivou durante quase toda a sua história a sábia tradição de não permitir a reeleição dos governantes. Esta tradição, que percorreu todas as nossas Constituições, prevalecendo até mesmo durante os governos militares, funda-se em razões incontestáveis. Governos que podem buscar a reeleição não chegam a governar, pois vivem em campanha permanente e a lógica das campanhas é muito diferente da lógica de governar.

Candidatos vivem de agradar a todos, mesmo sendo insinceros. Governos precisam ter a coragem de contrariar interesses e mirar o longo prazo e não o calendário eleitoral.

Além disso, os recursos naturais do poder tornam a competição eleitoral injusta e desigual. Até mesmo os maus governantes acabam reeleitos.




A própria perspectiva de reeleição torna mais aguda a polarização política no Parlamento e estreita as possibilidades de entendimento suprapartidário, necessário à aprovação de matérias que, sendo úteis ao país, no entanto favorecem igualmente a aprovação e a popularidade do governo. Sem esta cooperação as verdadeiras reformas legislativas não acontecem, pois o ambiente eleitoral envenena as relações políticas.

Em 1997 rompemos com a sabedoria da nossa tradição e aprovamos uma emenda para permitir a reeleição, com a intenção de prolongar no tempo um governo moderno, reformista e com alta aprovação, na ilusão de que os homens e as circunstâncias eram mais importantes.

Deste momento em diante, todos os governos que se seguiram, em todos os níveis da Federação, passaram a encarar a reeleição como um direito e até mesmo uma obrigação.

O resultado é que quase sempre os governos mal duram os primeiros dois anos de mandato. O resto do tempo é campanha eleitoral com os recursos do poder, dividindo o sistema político em dois lados inconciliáveis.



Eu contribui com meu voto e meu trabalho parlamentar para introduzir este grave defeito em nosso sistema político já tão precário e disfuncional. Reconheço que cometi um erro difícil de ser reparado e me arrependo.

O país está pagando um preço alto por essa equivocada inovação. Hoje mesmo, o atual governo da República parece que já desistiu de governar e se mobiliza para uma eleição no ainda longínquo ano de 2022, tal qual tantos outros já fizeram.

Minha esperança é que um dia o país desperte para o erro e retorne à nossa antiga tradição, em má hora interrompida.