No Brasil, o período entre o fim do ano e o carnaval não é um bom tempo para pensar coisas sérias ou desagradáveis. A COVID-19, no entanto, continua mostrando que é mais forte do que a vontade dos homens e não respeita hábitos, nem tradições. Confinados em casa e privados da alegre sociabilidade a que fomos sempre acostumados, só resta nos entregarmos a sombrias meditações. Desta vez o ano novo vai começar mesmo em janeiro, não mais na quarta-feira de cinzas.
Leia Mais
Eleições podem marcar retorno dos veteranos ao poder na Câmara e no SenadoPacheco: ''As eleições serão discutidas mais para meados de 2022''O país das tristes certezas e que vive refém de um Parlamento de interessesEleições de portas fechadas no BrasilO Brasil é um enigma de ser decifrado. Uma causa é a impotência do EstadoA partir de 2014 nossos problemas cresceram de dimensão e assumiram uma forma dramática. Nossa renda por habitante começou a cair e, se tudo correr melhor daqui para a frente, em 2028 devemos recuperar a renda que havíamos alcançado em 2013. Nós nos tornamos uns retardatários em relação ao mundo. Os últimos três anos foram inteiramente perdidos, se pensarmos em crescimento da economia, em redução da pobreza e em aperfeiçoamento institucional. Por sorte, no fim do ano teremos eleições gerais. Será que as urnas produzirão algum governo digno deste nome?
O sistema político brasileiro e as instituições de modo geral estão em crise profunda e deixaram de funcionar, ou seja, não constroem consensos nem facilitam a atuação do governo. Só promovem conflitos e imobilidade, funcionando numa esfera paralela, alheias à vida real das pessoas, suas necessidades e suas aspirações. Eu diria que a política e os poderes da República vivem para si mesmos, sem nenhum senso de propósito ou finalidade. O país e sua população estão abandonados.
Há muitos candidatos à Presidência, mas até agora nenhum projeto de governo. Por projeto de governo quero dizer uma imagem do futuro a ser buscado, as políticas públicas que correspondem ao objetivo e os meios políticos e institucionais a serem mobilizados para que as políticas sejam aprovadas e efetivamente realizadas. O que se vê até agora não passa de culto a personalidades, vagas promessas e o convite ao antagonismo. Neste ambiente, as urnas produzirão um vencedor, mas não um governo.
Se governar fosse tarefa de um homem, precisaríamos de um gigante na Presidência, para estar à altura de nossos problemas. Não temos nenhum no horizonte, embora sete ou oito candidatos já tenham se apresentado. Governar este país tem que ser uma tarefa coletiva, um movimento que recolha dos escombros da política o que ainda temos de homens de bem que conciliem suas diferenças em torno de um projeto de governo, não de poder e sem reeleição.
O que está em jogo não é apenas a melhoria do bem-estar dos brasileiros. É a própria sorte das liberdades democráticas. Hoje no mundo os regimes autoritários têm se mostrado mais eficazes em entregar prosperidade aos seus povos. Os chineses, por exemplo, segundo K. Mahbubani, um analista respeitado, apoiam o governo autoritário porque pensam que a qualidade da vida sobe quando o governo central é forte e caí quando ele é fraco. Enquanto isso, nas democracias a falta de consensos e a proliferação dos conflitos paralisa os governos, dificulta a entrega de resultados e mantêm os problemas sem solução.
Nossas eleições correm o risco de ocorrerem num ambiente de fantasia e de irresponsabilidade. A esperança que eu tenho é que ainda a tempo os brasileiros resolvam olhar para cima para ver o perigo que se aproxima.