Jornal Estado de Minas

ROBERTO BRANT

Transição para a realidade

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O ser humano tem uma necessidade imperiosa de sonhar e de transfigurar a realidade. Mesmo as pessoas maduras guardam em si um pouco de criança, não se satisfazem só com os tons tristes da realidade e preenchem seu mundo com fatos e imagens desejadas. Toda a economia do entretenimento está organizada para nos oferecer estes mundos imaginados, sem os quais o homem de hoje não saberia como viver. Mas só o puro entretenimento não nos basta. Precisamos de emoções mais fortes.



A política no tempo da internet, das imagens e dos sons eletrônicos, também faz parte deste repertório, que nos ajuda a viver parte de nossas vidas num ambiente de emoções virtuais. As teorias clássicas da democracia imaginam a escolha dos governantes como campanhas em que se debatem ideias antagônicas, conflitos abertos de interesses e também tornam transparentes as histórias pessoais dos candidatos. Na vida real, as eleições de fato são um teatro, recheado de ficções e de máscaras, que mais oculta e ilude do que esclarece.

As duas forças centrais nas eleições democráticas do século 21, aqui entre nós e um pouco em toda a parte, são a ilusão e o medo, duas forças quase sempre distantes da razão. De um lado ficam as promessas de mudanças que tornarão a vida melhor e de outro as ameaças de mudanças que tornarão a vida muito pior ou mais perigosa. Nenhuma coisa nem outra provavelmente ocorrerá, pois nas democracias o Poder está distribuído em várias esferas institucionais, cuja clara inclinação é a conservação das posições, dos interesses e da influência dos grupos e dos setores dominantes.

Mudanças só ocorrem na margem, em pequenos saltos cumulativos que não perturbam o equilíbrio existente, seja ele justo ou injusto, progressista ou retrógrado.

Tudo isto ajuda a explicar o estranho clima que dominou as últimas eleições. Cada uma das duas candidaturas que chegaram ao fim do processo conseguiu convencer a metade dos brasileiros que lhes entregaria um Brasil muito diferente do Brasil que realmente existe. A esperança deste Brasil imaginário, que surgiria do nada, acabou dando aos que não venceram um sentimento de perda existencial, difícil de suportar, além do medo de que o vencedor iria virar o país de cabeça para baixo, conforme o sentimento que lhes foi transmitido durante a luta eleitoral.




Em compensação, a esperança do outro Brasil imaginário que acalentou a alma dos que se viram vencedores, enfrenta já agora as decepções do encontro com a realidade. Embora a luta pela Presidência da República pareça sempre uma luta de vida ou morte, os poderes do presidente são muito menores e mais limitados do que comumente se imagina.

Passado um breve período de graça, o novo presidente já tem que se haver com as estruturas de poder instalados no Congresso, nos partidos, na imprensa e nos mercados. Este é um mundo de baixa rotatividade, habitado por gente profissional, experimentada e com vastas conexões. É um mundo que tem aversão à mudança e às alterações no equilíbrio de poder. Principalmente ao crescimento e à emergência de novos vencedores na economia.


O processo de transição é muito vistoso e repleto de boas intenções, reunindo algumas centenas de brasileiros, muitos com capacidade e experiência inegáveis. Esta, porém, é uma transição pró-forma, porque a verdadeira só vai começar quando os novos dirigentes forem escolhidos, suas políticas se tornarem claras e forem encontrar o muro dos interesses consolidados e o jogo das conveniências dos políticos que só se movem nas sombras.

Logo de início, o novo governo compreendeu que só a Presidência da República vai mudar, todas as outras estruturas de poder permanecerão, como tem ocorrido nas últimas sucessões. A Câmara e o Senado são o que sempre foram e, apesar de renovados pelas eleições, manterão a mesma direção, porque, ao contrário das aparências e do choro dos vencidos, pouca coisa mudou realmente.
Para conforto dos vencidos e decepção dos que venceram alguma coisa vai mudar, apenas para que tudo permaneça como é.