Na falta de um programa de crescimento com todos os complexos ingredientes que ele implica em termos de objetivos e de recursos, os ministros da área econômica estão patrocinando uma reforma tributária, com a promessa de que com a mudança dos impostos a economia voltará a crescer. Como se fora só isto o que nos faltasse. Há quem pense que se trata mais de um ato de fé, baseado num pensamento mágico.
A ideia da reforma, tal como está desenhada nas Emendas Constitucionais nº 45 e nº 110, é unificar os vários impostos cobrados pela União, pelos estados e pelos municípios, ou seja o ICMS, o ISS, o IPI e as contribuições do PIS/COFINS, em um ou dois impostos, um de competência da União e outro de competência conjugada de estados e municípios. A alíquota, em qualquer dos casos será única, estimada em 25% na melhor hipótese, podendo chegar até 30% conforme preveem vários especialistas.
O pretexto da reforma é simplificar a cobrança para os contribuintes e realizar uma maior justiça tributária. De fato, a legislação sobre estes impostos no Brasil é excessivamente complicada e gera muita insegurança jurídica. A verdade é que o Estado brasileiro gasta muito e gasta muito mal e o nosso sistema tributário tem corrido atrás muito improvisadamente para financiar tudo isto, até o ponto de asfixiar as atividades produtivas.
Se o diagnóstico tem elementos de realidade, as Emendas 45 e 110 não são os únicos remédios possíveis. O propósito da simplificação é muito mais bem atendido pela Emenda Constitucional nº 46 que se limita a unificar as legislações sem o risco de uma alteração radical do sistema tributário, que pode causar danos irreversíveis na economia do país. Apesar de as emendas estarem próximas de serem votadas, seus autores não realizaram simulações que possam revelar seus impactos nas diferentes cadeias produtivas de cada setor econômico.
Não é difícil antever alguns impactos de grande alcance da reforma pretendida. O novo imposto vai incidir sobre inúmeros setores e atividades sobre os quais não recaem hoje impostos que vão ser unificados. Para estes, o aumento da carga tributária será imenso. É o caso de educação, saúde, agropecuária, construção civil, o comércio e os serviços pessoais. A indústria e o setor financeiro vão ter aliviado o peso dos impostos que hoje pagam e a conta vai para o plano de saúde, a conta do hospital, a mensalidade escolar, os alimentos, a habitação, os aluguéis, as passagens de transporte, os serviços de profissionais e assim por diante. E o aumento não será brincadeira, de 25% a 30%.
Quanto à segurança jurídica basta dizer que hoje quem contribui com esses impostos são empresas organizadas. Daqui para a frente todas as pessoas físicas se tornarão contribuintes, precisando de emitir notas fiscais e documentos de arrecadação: locatários de imóveis, fazendeiros, médicos, cabelereiros, eletricistas, todos os que fornecem serviços. Toda esta gente vai ter sobre si o espectro do Fisco e o risco de autuações imprevisíveis. Ninguém vai ter mais sossego e tranquilidade, a não que prefira não ser empreendedor, mas trabalhador assalariado.
A implantação da reforma, tal como concebida, vai desorganizar toda a economia e alterar a maioria dos preços relativos, já que tanto um automóvel de alto luxo quanto um litro de leite ou um quilo de pão vão pagar a mesma alíquota de 25 ou 30%. O impacto na inflação e na vida da quase totalidade dos brasileiros vai ser terrível.
O desenvolvimento econômico é um processo complexo e que envolve muitos elementos, não apenas um determinado sistema tributário. Se a reindustrialização do país requer apoio e incentivos, ninguém pode se opor. Mudar todo o sistema tributário e redistribuir de modo tão distorcido a carga dos impostos sobre todos os itens de consumo das pessoas é um preço alto demais para isso e certamente contraproducente.
A única coisa que me deixa verdadeiramente intrigado é como um político como Lula pode estar de acordo com um experimento puramente tecnocrático e de efeitos tão regressivos para a maioria dos brasileiros.