Em uma canção do Milton Nascimento meu saudoso irmão Fernando Brant escreveu em versos que “sonhar já é alguma coisa mais que não sonhar”. Acredito no que dizem estes versos, mesmo sabendo que quase todos os nossos sonhos brasileiros foram se perdendo no caminho. São os sonhos que preservam em nós nossa humanidade essencial e, portanto, sonhar sempre vale a pena.
Como já aconteceu muitas outras vezes na vida dos brasileiros, mais um sonho está caindo por terra, o sonho de um governo disposto a empenhar as suas forças e os recursos do Estado para reunir as pessoas em um mesmo propósito. Um governo que reconhecendo as divisões entre os brasileiros por meio do respeito pelo outro e pela contenção dos seus nos apaziguasse a todos, para juntos enfrentarmos os nossos verdadeiros problemas: a pobreza da população e a falta de crescimento da economia.
Lula e seu partido não tinham por si mesmos o apoio suficiente para vencer as eleições de 2022. Prova disto é o tamanho das bancadas do PT e o pequeno número de governadores que elegeu. Sua eleição deveu-se principalmente à rejeição a Bolsonaro e ao discurso de uma frente política para preservar a democracia brasileira. Esta frente democrática, que reuniu adversários históricos de Lula e do PT, venceu as eleições, mas infelizmente perdeu o governo.
Sob qualquer ponto de vista o novo governo Lula é um governo essencialmente do PT, controlado pelos seus velhos militantes e embalado por ideias que não são compartilhadas pela maioria dos brasileiros. E mais do que isto, segundo palavras textuais de seus líderes, empenhado em permanecer no Poder por pelo menos três mandatos seguidos. Para isto, de acordo com os manuais do populismo, é preciso dobrar as apostas na polarização e investir na fidelização dos seus adeptos, deixando necessariamente em segundo plano a tarefa de governar.
Não fosse isto verdade não teríamos como explicar os movimentos do presidente Lula. Dois fatos são ilustrativos. O primeiro foi a presença prestigiada do Sr. João Pedro Stédile, o líder do MST, na comitiva oficial do governo brasileiro na visita à China, poucos dias depois de ele ter anunciado um mês de abril marcado por invasões de terras e de prédios públicos, ameaça que está se confirmando. Este foi um gesto carregado de simbolismo, sugerindo que para Lula o agro vale mais como movimento político do que como a formidável estrutura produtiva de que de fato é. A principal demanda dos produtores rurais hoje é a segurança jurídica e a proteção contra as invasões de terras. A resposta de Lula a esta demanda parece clara e não há maior convite à desunião e ao conflito do que este.
O segundo movimento que confirma aquela percepção são as palavras e gestos de Lula a respeito da invasão da Ucrânia pela Rússia. O Chanceler russo Sergei Lavrov, recebido com honras pelo governo brasileiro, afirmou na saída que Rússia e Brasil tem visões coincidentes sobre a guerra e não foi desmentido por ninguém. Dias antes Lula afirmara publicamente que Ucrânia e Rússia são igualmente responsáveis pela invasão e que os Estados Unidos e a Europa estão incentivando a guerra, fornecendo armas aos ucranianos. Não fossem estas armas a Ucrânia já não existiria e a paz que reinaria seria a paz dos cemitérios e dos exílios.
Para não ser chamado de tendencioso, invoco o entendimento de dois dos melhores e mais qualificados diplomatas que já serviram ao Brasil, Rubens Recúpero e Roberto Abdenur, em entrevistas recentes. Recúpero afirma que a política externa do governo é PT puro sangue e não expressa a ampla frente que se formou para eleger Lula. Abdenur lembra que essas posições do governo vão prejudicar nossas relações com países estratégicos para nós reunidos no G7 e que receber Lavrov mostrou uma conivência com a Rússia. Esta política externa certamente não expressa os sentimentos dos brasileiros.
Se Lula insistir nesta rota de facciosismo partidário o Brasil não terá um governo nos próximos anos. A esperança é que os homens são sempre livres para mudar e ainda não é demasiado tarde para isto.